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BLUE JASMINE por FELIPE HENRIQUE GONÇALVES

Blue Jasmine: relações interpessoais em tempos de crise 

O filme de Woody Allen (Vicky Cristina Barcelona e Meia Noite em Paris) constrói uma alegoria tragicômica dos efeitos da crise econômica de 2008. As consequências da recente crise financeira servem para uma ácida crítica social e econômica da sociedade estadunidense.

Enquanto era casada com o investidor do mercado financeiro, Hal (Alec Baldwin), Jasmine (Cate Blanchett) viveu o melhor da especulação em Nova Yorque: compras, festas, viagens pelo mundo, ingressos para ópera e obras de arte na sala de casa. Estando satisfeita com essa vida em que julgava ser perfeita, Jasmine se alienava da realidade e não conseguia ver as coisas a seu redor. Vive luxuosamente, transbordando uma felicidade aparente, onde a recepção da irmã, Ginger (Sally Hawkins), com o marido pode ser algo pouco agradável, mas compensado por um amor que surge através dos bens materiais.

Desde o início, em que Hal e Jasmine aconselham o marido de Ginger a investir na especulação ao invés de abrir seu próprio negócio, “Blue Jasmine” trata sem meias palavras das razões e dos efeitos da crise.

Quando Hal decide deixar Jasmine por uma amiga do casal, ela toma a decisão de denunciá-lo ao FBI sobre os seus fraudulentos esquemas financeiros. Depois de preso, o Hal comete suicídio e Jasmine – que tinha tudo no seu nome – vai à falência. Jasmine ainda fica com a sua mala Louis Vuitton, algumas roupas de marca e vai morar de favor com a irmã “cafona”, Ginger, em San Francisco.

Morando com a irmã, tenta, a todo custo, se reencontrar na vida. O choque e contraste entre grupos sociais distintos é algo de muito presente e vivo ao longo de “Blue Jasmine”, embora Woody Allen não esteja interessado em mostrar de forma maniqueísta, ao contrário, este mostra um interesse genuíno pelos mais variados personagens, sugerindo que todos erram e têm virtudes, que todos sentem uma notável inabilidade em lutar com o destino, apesar de parecer esporadicamente nutrir uma certa simpatia por Ginger e Chili. Este casal, formado por dois indivíduos da classe trabalhadora, surge como a antítese da relação entre Hal e Jasmine. Ginger e Chili procuram os pequenos prazeres da vida através do amor que sentem um pelo outro e o tempo que passam juntos, sendo espontâneos e dados a pequenos gestos. Hal e Jasmine surgem como uma dupla superficial, com um casamento marcado pelo luxo e afastamento sentimental, com o primeiro a colecionar amantes e a segunda a colecionar joias. Da relação entre Ginger e Chili acreditamos que possam sair frutos radiosos. Da relação entre Hal e Jasmine já sabemos que esta vai terminar de forma trágica.

Em São Francisco, Jasmine depara-se com casas modestas e pessoas que praticamente desprezara durante toda a sua vida, com quem vai se chocar, a começar pela sua irmã, uma mulher que pouco ou nada tem a ver com a protagonista. Na casa da irmã, Jasmine toma conta das atenções, mostra-se o estertor para discussões, enquanto continua a sua guerra interna com os fantasmas interiores e um ex-marido que nunca mais vai voltar a ver. Ginger assume uma postura temporariamente infiel com Chili que quando bebe torna-se violento. Ambos procuram redimir-se, notando-se toda uma abordagem profundamente humana das temáticas, em que não estamos perante um conjunto de personagens plásticos, mas sim de figuras complexas.

A incapacidade de assimilação e aceitação das mudanças de vida é habilmente construída e desconstruída num jogo de alternância entre passado/presente, Nova York /São Francisco, sofisticação/simplicidade, alegria/melancolia, adequação/inadequação.

Jasmine se enche de esperança quando conhece um sujeito que pode lhe oferecer todo o alto padrão de vida que um dia teve. No primeiro encontro, ela dá o seu número de telefone ao tal homem, que promete contatá-la. No dia seguinte, Jasmine passa o dia esperando ansiosamente a ligação. O telefone toca e o sujeito marca um novo encontro. O que poderia se esperar era que, ao desligar o telefone, Jasmine começasse a pular e a vibrar com sua conquista. Não. Ela começa a chorar. E, nesse momento, Blue Jasmine sintetiza praticamente tudo sobre sua protagonista: ela é uma mulher que já não consegue nem sentir a alegria das pequenas coisas da vida. Chora aliviada por não acreditar que alguém promissor ainda possa se interessar por ela. Um alento, enfim, para uma vida que, como descobrimos ao longo do filme, também puniu constantemente essa mulher que procurou sua história de fracasso.

Jasmine habituou-se ao luxo, a ter nas joias e nas roupas caras o seu modo de vida, ao modo que a perda da maioria dos seus bens arrasa-lhe o orgulho e lhe fere dramaticamente. A chegada de Jasmine a São Francisco não é de cura ou terapia, mas de tentativa de ultrapassagem dos problemas, que dificilmente a largam perante sua personalidade. O resultado é um mergulho em mentiras e ilusões que cobram um preço alto demais para quem, em estado de realidade deturpada, não consegue pagar. Assim, ao contrário do que pode ser apontado, existe humanização em “Blue Jasmine”, especialmente porque Woody Allen não condena a protagonista como a total responsável por suas ruínas. Ela também apanhou da vida e pagou um preço alto por sua quase assumida negligência perante as situações.

Em Manuscritos Econômicos Filosóficos, Marx constata:

“Se o dinheiro é o vínculo que me liga à vida humana, que liga a sociedade a mim, que me liga à natureza e ao homem, não é o dinheiro o vínculo de todos os vínculos? Não pode ele atar e desatar todos os laços? Não é ele, por isso, também o meio de universalização e separação? Ele é a verdadeira // moeda divisionária (Scheidemünze), bem como o verdadeiro meio de união, a força galvano-química (galvanochemische) da sociedade”.

Mas também lamenta:

“Quanto menos comes, bebes, compras livros, vais ao teatro e ao café, pensas, amas, teorizas, cantas, sofres, praticas esporte, etc., mais economizas e mais cresce o teu capital. «És» menos, mas «tens» mais. Assim, todas as paixões e atividades são tragadas pela cobiça”.

FELIPE HENRIQUE GONÇALVES

Paulistano, 34 anos. Doutorando em Ciências Humanas e Sociais pela Universidade Federal do ABC (UFABC), mestre em História pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2012), sob o título “Democracia e Socialismo nos debates do Partido dos Trabalhadores (1987-1991), pós-graduado (Lato Sensu) em Sociologia pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo – FESPSP (2008), licenciado em História pela Universidade Bandeirantes – UNIBAN (2006) e graduado e licenciado em Ciências Sociais pelo Centro Universitário Fundação Santo André-CUFSA (2005). Possui 12 anos de experiência como docente e realiza estudos nas áreas de Sociologia, Ciência Política e História Contemporânea, História do Brasil República e Economia Política, atuando principalmente nos seguintes temas: democracia, cidadania, direitos humanos, partidos políticos, neoliberalismo, desenvolvimentismo, financeirização e marxismo. É militante político-social na defesa dos direitos humanos e dos interesses da classe trabalhadora. Considera-se um cinéfilo, garimpeiro de músicas e da cultura latino-americana no geral.

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