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Eclipse . Lua de Sangue. Foto: NASA- Reprodução

O convite do Gonçalo eclipsando as experiências por Graziela Miolo

Quando ouvi o chamado do meu filho de 9 anos para ver o Eclipse, confesso que me senti convocada. Claro que isso não diminui aquela sensação ranzinza que acompanha a senhora de 41 anos que habita em mim, que logo pensou: vou ter que sair da cama e ir ao frio ver esse bendito eclipse?!?!?

Mas meu lado materno acolhedor fez o resmungo ser apenas mental. Foram palavras que troquei “aqui com meus botões!” . Essa mesma chatice que habitou meus pensamentos, logo deu lugar para o pensamento: “Ele tem 9 anos… pensa na magia que tem pra ele um eclipse!”

Assim que essas palavras povoaram meus pensamentos, uma sensação de tristeza  tomou conta fisicamente de quem eu sou. Senti um calor que subiu momentaneamente pela nuca. Meu corpo se arrefeceu. Foi quase que um desencontro entre meu corpo e meu coração. Não tinha nada de desacordo ocorrendo para que meu corpo e meu coração se desencontrassem. Os desencontros dos meus dias estavam na consciência. E os encontros estavam no coração. O que seria então?

Sem muito pensar, num solavanco iludido de generosidade, enrolei nós dois num coberto, abracei-o fortemente, abri rapidamente a porta da sacada, e nos lançamos no frio. Quando a primeira aragem tomou meu rosto, meu pensamento quis novamente passear por certa “rabugice”, de quem não tinha muito para vislumbrar em um eclipse. Novamente aquela sensação de tristeza me invadiu.

Mas…ainda vivendo essa sensação, ouvi a voz doce do Gonçalo dizendo: Mãe, olha aqui… olha… olha… olha que coisa mais linda!

Essa intensidade efusiante do “Olha… olha….”, me tomou de assalto. Quando levantei os olhos e percebi a lua sendo tragada pelo tom avermelhado, quase aveludado, aquele gurizinho novamente me assalta com as palavras: “Eu li sobre porque acontece isso, mas mãe, isso não tem explicação, é mágico!”.

Imediatamente eu senti minha garganta arder. Não consegui responder aos apelos dele que solicitavam a minha opinião sobre aquilo. Ficamos uns minutos ali, abraçados, no frio, olhando aquele espetáculo. Ele fez algumas considerações a mais sobre o que via…!

Abraçados ficamos alguns minutos nos deleitando em um espetáculo tão sereno, e singular, que me fez refletir sobre tanta coisa… mas, principalmente, sobre porque eu estava me resignando à ideia de não viver essa experiência. Como se eu não tivesse mais nada pra ver! Já vi tantos eclipses na vida (que em verdade, nem foram tantos assim). Já vivi tantas experiências com a natureza. E num arroubo empoeirado eu quase me acomodei nas minhas verdades. No aconchego da minha cama. Ou na comodidade do que eu pensava que já sabia.

Por certo quando se vive aquilo que eu imagino seja a metade saudável de uma vida, já se acumula algumas vivências e experiências, que podem dar um tom de sabedoria. Mas porque se resignar a uma ideia pré-datada de conhecimentos. Por que não lançar-se na expectativa de uma nova vivência?

Pensando nisso, quase  tropecei na sedução de uma ideia narcísica, de que essa seria uma das condições do exercício da maternidade, e da relação de filiação. Em resumo: os filhos estariam aí pra nós ensinar e desacomodar!  Não que essa máxima não possa de fato acontecer. Mas se render a esse pensamento é também ficar acomodada a uma ideia de que não temos responsabilidade em buscar as novas experiências.

A tristeza que me invadiu, foi a da percepção de que a acomodação estava fazendo parte de mim. Por minutos eu não estava disponível pra viver. Para sentir a experiência nova de estar viva em uma referência de vida antiga. E mais, de permitir um pequeno gole de vivências das primeiras experiências que estavam fazendo parte dos anseios do Gonçalo. Eu me perdi em mim, por minutos. Enredei-me nas minhas próprias verdades, tentando garantir convicções para justificar que minha cama e meu cobertor seriam mais convidativos do que aquela experiência lançante que eu estava prestes a experimentar. Que mediocridade a minha!

Olhar para nossas mediocridades pode ser desacomodador. Desacomoda nossa dor. Se assim permitirmos. E isso dói. Ou pode ser apenas uma constatação. E isso acomodar ainda mais.

Senti alívio quando percebi que optei por me desacomodar. Foi uma fração de segundos em que a minha decisão foi ir em busca do frio melodioso, abraçada em um dos meus maiores amores na vida. Sentir o coração dele pulsar, ajudou a lembrar que o meu também pulsa. Ouvir as ideias que ele tinha, e principalmente os sentimentos que ele estava nutrindo naquela experiência “mágica”, me trouxe a fagulha de vida que eu estava querendo apagar.

Olhei aquele vermelho aveludado, embassado por um tom alaranjado ao fundo, permitindo que o frio me acompanhasse e aquecesse minhas mediocridades, abrindo um arsenal de  escolhas do que devia fazer com elas.

Escolhi olhá-las através da lua. E criar novos tons, novas nuances. Permitir que novos espaços possam ser visitados, formando novas formas, pesguardando o que já é conhecido, valorizando a caminhada construída. Mas sem acomodar-se naquilo que parece já estar garantido. Afinal… só parece….

Ps: para Gonçalo, meu amor sereno é intenso, que através de nossas trocas sensíveis permite que meus sonhos não sejam nunca esquecidos! Tu és poesia, meu filho! Uma poesia inquieta,  que produz um delírio amoroso sob a vida!

Graziela Miolo é Psicóloga e Psicanalista. Especialista em Clínica Psicanalítica, Mestre em Psicologia Clínica. Experiência na docência superior por 14 anos, entre cursos de graduação e pós graduação. Amante de leitura e de música. Sou inquieta com tudo que mobiliza e toca o ser humano e suas complexas formas de expressão. Me considero alguém atenta à vida. Mulher e mãe.

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