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Karina Mais em cena no espetáculo Anjo Negro (2008) Produção @retalhosdeteatro

Santa Maria, minha cidade coração por Karina Maia Dick

“O sonho é que leva a gente pra frente. Se a gente for seguir a razão, fica aquietado, acomodado.”
Ariano Suassuna

Santa Maria comemora seus 163 anos, hoje, 17 de maio de 2021. A cidade coração do Rio Grande do Sul, a Cidade Cultura. Nasceu como acampamento militar, ganhou uma malha ferroviária que possibilitou um intercambio comercial e cultural que nos deixou de legado a uma vasta história feita sobre trilhos.

Amanhã, dia 18 de maio, o aniversário é da minha chegada aqui. Em 2004, carregando o sonho de estudar teatro eu deixava fisicamente a fronteira Uruguaiana, que carrego sempre no peito. Me aquerenciei desses morros, das pessoas e das artes feitas por aqui. Fazendo parte do projeto Passageiros da Alegria, pude conhecer os bairros, trocar olhares com as pessoas, essa mágica que a arte proporciona, de levar alegria e sonho por onde o artista passa. O projeto que completa 20 anos, leva palhaços ao transporte público, visita asilos, hospitais, escolas públicas, apresenta espetáculos em praças, e desses 20 anos, tive o privilégio de participar de 10 anos, obrigada Cia Retalhos de Teatro.

Outra  paixão minha, é a escrita, e quem escreve sabe da necessidade de se ter leitores. Foi por isso que em 2014 eu mais dois amigos artistas criamos o Sarau dxs Atrevidxs, para nos reunirmos em roda e ler poesias uns para os outros. O sarau também foi a ponte pela qual conheci a Mel Inquieta, participei da Sina Poética e firmamos uma amizade balizada pelo amor à arte. Ela me convida à escrever sobre Santa Maria, e eis me aqui. Vamos falar brevemente sobre passado, presente e imaginar um futuro?

Aqui o teatro é efervescente e tem longa história. Desde a passagem de grandes companhias estrangeiras no o século XIX, criação da Escola de Teatro Leopoldo Fróes nos anos 40, os teatros ligados a agremiações estudantis, o Teatro Universitário de Santa Maria que deu origem ao Teatro Universitário Independente no final dos anos 1960 e a criação do Curso debelas Artes nos anos 1970. O teatro é um pilar da prática cultural da cidade que tem cada vez menos público. Porque será?

Estranho falar sobre arte teatral nesses tempos sombrios, comemorar aniversário da cidade em meio a tantas dores e reveses impostos pela pandemia. Justamente o teatro, uma arte que necessita essencialmente de presença para acontecer. Eu como fiel serva dessa arte, sonhadora demais talvez, não me conformo em ver Santa Maria com tão poucos festivais e mostras teatrais e peças com tão pouco público. Participei de alguns festivais e posso contá-los nos dedos, Festival de Teatro Independente em 2009, 2010, 2011, e o Entrevero – Festival Internacional de Teatro, 2018. Todos feitos por grupos de artistas independentes realizadores de sonhos.

Hoje, estamos nos reinventando nas redes, porque os artistas não podem parar o show, e é preciso mais do que tudo, manter a chama acessa, sinalizando ao público que nós artistas do teatro existimos, continuamos acreditando na linguagem teatral como uma forma de expressão possível e essencial.

Acreditando na força da arte, em comunicar e criar pontes, quero ver além desse horizonte, o que considero um movimento difícil, visto que cada vez menos temos incentivo à cultura de forma geral.

Com a lei emergencial Aldir Blanc, o grupo no qual trabalho atualmente, a Casa das Artes, pode ter um respiro de existência, o projeto Kiriku vai aos Quilombos, teria sido a nossa temporada épica com seis apresentações em Comunidades Quilombolas. Porém com o acirramento da pandemia, readaptamos nossa peça para o Áudio Visual. Fica um gosto estranho de dever cumprido pela metade. E se essas leis não fossem emergenciais, e se fossem permanentes, e se o teatro acontecesse o tempo todo?

Santa Maria é formadora de artistas, de forma intuitiva e pela formação acadêmica. São duas forças que se complementam por aqui. Estudantes passam pela cidade durante a formação e voltam para suas cidades de origem, ou ganham outros caminhos. Há aqueles que ficam, como eu e meus colegas de elenco, entre outros tantos artistas que escolheram Santa Maria para viver, e viver fazendo arte. Estamos sempre criando espaços culturais, fomentando e agitando a vida cultural.

Pode parecer que nós artistas somos os clandestinos por aqui, pois insistimos em fazer arte bem no meio da cidade cultura que ainda não investiu num teatro municipal, que não possui um centro cultural, ou que permitiu a deterioração da sua Casa de Cultura, assim como outros pontos reconhecidamente como culturais, como o Largo da Gari.

Santa Maria, olhe bem para sua história e vamos pensar em um futuro com mais espaços destinados à arte. Imagine um ponto de cultura em cada bairro periférico, descentralizando o acesso aos aparelhos culturais, espaços nos quais as pessoas se identifiquem, com oficinas de teatro e dança e grafite, pequenas bibliotecas públicas com saraus literários e contadores de histórias e os artistas trabalhando neles! Eu consigo imaginar, e você?

Karina Maia Dick é escritora, atriz,  Bacharel em História pela Universidade Federal de Santa Maria, e Bacharel em Direção Teatral pela mesma universidade.

 

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