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Sobre BBB e Racismo por Maria Rita Py Dutra

O episódio protagonizado por João Luiz Pedrosa e o cantor sertanejo Rodolffo Matthaus da Silva Rios, participantes do BBB 21 provocou debates interessantes, permitindo que as pessoas identificassem que Rodolffo teve uma atitude racista, ao comparar o cabelo de João com o do homem da caverna.

Subjetivamente o sertanejo poderia estar pensando em “cabelo feio”, a partir de um padrão de beleza branco ou “homem da caverna”, evocando o processo de desumanização a que pessoas negras foram submetidas. Basta lembrar os zoológicos humanos, que foram atração na Europa e na América do Norte nos séculos XIX e XX, onde negros, aborígenes e esquimós eram exibidos como peças exóticas, vistos como selvagens ou incivilizados, recebendo centenas de visitantes, inclusive com cartazes nas jaulas proibindo jogar alimentos.

A literatura foi um campo fértil em que personagens pretos ou pardos vivenciam esta desumanização, como a personagem Rita Baiana, em O Cortiço (1979), romance de Aluísio de Azevedo: “Naquela Mulata estava o grande mistério, a síntese das impressões que ele recebeu chegando aqui: […] ela era a cobra verde e traiçoeira, a lagarta viçosa, a muriçoca doida, que esvoaçava havia muito tempo em torno do corpo dele, assanhando-lhe os desejos”…(1979. p. 110-111). O autor se refere à personagem empregando termos do campo da zoologia, como se ela fosse um animal. Outra expressão usada para ofender pessoas negras, em especial em jogos de futebol, é “macaco”. Ao chamar um jogador de futebol de macaco, nega-se a ele a condição humana, reduzindo-o a irracional.

No tocante ao cabelo, crianças negras  quando ingressam na escola são chamadas “cabelo de Bombril”, “cabelo ruim”, “cabelo duro”, “ninho de guacho”, “nega do cabelo duro”, etc., apelidos que fazem parte do cotidiano dos alunos negros. Desde os primeiros dias de escola, o corpo negro é uma fonte de estranhamento: o cabelo, os lábios, o nariz, a cor da pele. São apelidos que machucam, que envergonham, que causam trauma.

O brother João passou por essa experiência de dor, por isso não conseguiu reagir, quando Rodolffo comparou seu cabelo ao do homem da caverna. A reação dos colegas de confinamento, nas redes sociais e a fala de Tiago Leifert reprovando a atitude de Rodolffo, evidenciaram que hoje é inaceitável o discurso racista.  O cabelo black power é um rompimento com os padrões estéticos eurocêntricos, é parte da estética negra como símbolo de beleza, identidade e autoafirmação.

Todas e todos sabemos que “não basta não ser racista, é preciso ser antirracista”. Que ações antirracistas você se compromete realizar, a partir do caso João X Rodolffo?

Maria Rita Py Dutra  
Escritora e poeta, por quinze anos foi membro da Casa do Poeta de Santa Maria, CAPOSM, onde participou com poesias e crônicas em todas as antologias da CAPOSM.  Integrou a Equipe Técnica do MTM, onde coordenou o Núcleo de Ação Cultural Educativa (NACE), desenvolvendo o Projeto “Construindo a Igualdade Racial através da Literatura”. Foi “Patrona da Feira do Livro Infantil” de Santa Maria, em 2005 e em 2006, foi  “Patrona da Feira do Livro Infantil” da cidade Agudo e da Feira do Livro da Escola Nossa Senhor das Graças, de Cacequi. Na Universidade Federal de Santa Maria está ligada aos grupos de pesquisa: Núcleo de Estudos Contemporâneos (Necon) e ao  Grupo de Estudos e Pesquisa sobre Infância, juventude e Famílias (GEPIJUF). Juntamente com o colega de mestrado Cristiano Barrero, foi uma das idealizadoras do GT Negros/NECON/Povo de Clio, do qual é coordenadora.
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