A caribenha Maryse Condé, uma das maiores escritoras negras da atualidade, em seu livro “Eu, Tituba: Bruxa Negra de Salem” nos apresenta a história de Tituba, uma das acusadas no famoso julgamento das Bruxas de Salem, onde cerca de 200 pessoas foram presas ou acusadas de bruxaria e 20 condenadas a morte (a maioria mulheres).
Salem, em 1692, era uma pequena cidade puritana de Massachusetts, nos Estados Unidos, onde a Igreja tinha imenso poder. Em fevereiro, a filha de 9 anos do reverendo da cidade, Samuel Parris, ficou doente, apresentando sintomas próximos da histeria (paralisia, falta de ar, convulsões). Logo, outras meninas começaram a apresentar os mesmos sintomas. Pressionadas por líderes religiosos locais, que atribuíam o ocorrido a obras do diabo, as meninas culparam três mulheres pela doença: Tituba, uma escrava; Sarah Good, uma mendiga; e Sarah Osborne, uma idosa pobre.
O nome de Tituba foi diretamente ligado aos testemunhos das filhas do reverendo Parris, porque, na época, ela havia sido vendida de Barbados para ser escrava na sua residência. Tituba vivia em contato com as meninas e era negra — o que a tornava um alvo fácil. Para alguns, foi ela quem começou a espalhar a bruxaria por Salem, ensinando feitiços e rituais às mulheres e meninas do vilarejo.
Assim, no lugar de escrava, negra e mulher, Tituba se tornou um alvo fácil de acusação e perseguição, pois seus conhecimentos acerca das ervas, da natureza e das energias fizeram-na como a principal suspeita de atos e comportamentos de bruxaria. Na verdade, não se sabe exatamente de qual parte da América do Sul Tituba é proveniente. Entretanto, acredita-se que a primeira bruxa negra de Salem tenha nascido onde hoje fica a Venezuela, em uma comunidade creole.
Assim, o romance de Maryse Condé é elaborado na fronteira entre a História e a ficção, e essa fronteira se faz presente, especialmente, quando a protagonista reclama e lamenta a postura dos seus futuros historiadores, que negligenciaram a sua presença na história do colonialismo branco, puritano e machista dos Estados Unidos.
A narrativa de Maryse Condé, contaminada pela ancestralidade de Tituba, traz uma série de questionamentos acerca da condição da mulher negra numa sociedade patriarcal fortemente conservadora, hipócrita e religiosamente fanática. Por meio de uma linguagem crua e singela, a escritora caribenha trata dessa figura histórica, enlaçando-a a temas atuais, como preconceito étnico, de gênero e de classe, bem como o aproveitamento sexual do corpo negro feminino por parte dos homens, sobretudo autoridades.
Dessa maneira, a escritora, por meio da história de Tituba, levanta questões ligadas à condição humana e ao lugar que nós ocupamos no meio coletivo. Quais os efeitos de nossas ações? O que é o mal? O que é o bem? Por que há essa relação de superioridade entre os homens?
Vale destacar que Maryse Condé já foi premiada várias vezes pela sua obra. Em 2001, ela foi vencedora do prêmio de literatura da comunidade sueca The New Academy, considerado um Nobel alternativo.
Por fim, é um livro que vale a pena a leitura e que pode nos ajudar a pensar sobre a referida condição humana de determinados grupos sociais com os quais convivemos e os quais ainda são subjulgados pelo preconceito e arrogância daqueles que são seus iguais.
Daniela Grieco Nascimento e Silva
Doutora em Educação (UFSM); Diretora, professora de ballet e coreógrafa da ONG Royale Escola de Dança e Integração Social – Santa Maria – RS.
Estreou hoje como colunista da Rede Sina. Suas publicações serão mensais.