Quando fiquei sabendo que o Black Sabbath faria show novamente em Porto Alegre, fui tomado de uma euforia sincera. Era a minha chance de corrigir o erro de 2013, quando ainda morava no interior e, meio mal de grana, havia ficado com a sensação de que deveria ter me esforçado mais pra ir assistir meus ídolos.
Aguardei ansiosamente o primeiro dia da venda de ingressos e lá fui, achando que encontraria uma fila imensa de camisetas pretas. Nada disso… Havia certo número de pessoas de várias idades (algumas senhoras evidentemente comprando para seus filhos), ordeiramente parcelando seus ingressos em três vezes no cartão. Mas nada daquele furor metal o qual imaginei que aconteceria com o anúncio da última turnê do Sabbath.
Uma das coisas boas de comprar ingresso para um show com tanta antecedência é, eventualmente, esquecer por um momento que aquilo vai acontecer mesmo. E aí, quando se lembra novamente, é pego por uma onda de felicidade e pensando “caramba! Eu vou no show do Black Sabbath!!”. Desde já me ponho no compromisso de fazer um texto sobre minha idolatria e teorias das razões pelas quais coloco Sabbath entre as cinco maiores bandas de rock de todos os tempos. Mas hoje o assunto é o show de 28 de novembro, então voltemos a ele: chegou o grande dia, agora sim o mar de camisetas pretas que eu tanto sonhava. Apesar dos anos abduzido pelo suingue e pelos batuques (Jorge Ben é meu pastor e salve simpatia não me faltará), lá no âmago eu sou headbanger, criado na base de Sepultura, Metallica, Pantera e uma série de metais e rocks do lado mais sujo da força. No famigerado estacionamento da FIERGS, a camiseta que impera é aquela do cartaz da tour de 78, que é um close de uma máscara de piloto de caça, inspirada na capa do Never Say Die! e popularizada por Tony Stark/Homem de Ferro no primeiro filme dos Avengers. Para que esta informação serve? Realmente não sei, mas achei interessante fazer a conexão nerd.
Por conta do horário de verão, ainda não havia escurecido totalmente quado os Rival Sons subiram ao palco para o segundo show de abertura. Perdi o show do Krisiun, meio por querer e meio por conta do trânsito desgraçado que já rola naturalmente naquela parte da cidade e piora em dias de eventos. Shows de abertura têm a peculiaridade de sempre terem o som um pouco mais baixo, a bateria num lugar não tão privilegiado para a estética do palco e uma luz um tanto mais modesta. Nada disso tirou o brilho dos Sons, me fazendo cair no clichê da crítica musical e dizer que foi um show competente. Eu já conhecia e curtia uma meia dúzia de músicas dos caras, mas ver ao vivo foi motivante, pois não é todo dia que surgem bandas de rock com personalidade e qualidade assim. O vocalista, com seu timbre rasgado bem setentista, na aparência e presença de palco, é um hibrido de Jim Morrinson com Robert Plant e realmente manda muito bem, assim como todos os outros caras da banda.
Mas isso aqui não era um texto sobre o show do Sabbath? Ainda hoje, mais de um mês depois, estou coletando impressões tiradas das lembranças do show. Sabia que Tonny Iommi e Geezer Butler teriam uma atuação firmeza, pois em vídeos dos últimos anos tanto do Sabbath, quanto do Heaven and Hell (re-re-volta do Sabbath com o Dio que excursionou com o nome de Heaven and Hell circa 2010) os velhos mostravam que, apesar da performance discreta, mantinham a pegada. Já o tio Ozzy, sabe como é, tem dias que são do “sim” e tem dias que são do “não”. Isso já é piada entre fãs e até com o público em geral que conheceu melhor o príncipe das trevas no reality show da MTV. Eis que as luzes se apagam e nos telões gigantes começa um vídeo de introdução do show: tem fogo, tem morte, tem diabo. Era isso que a gente queria! Tudo numa animação meio tosca, mas de imagens fortes. Entram os primeiros acordes da música que dá nome à banda e o público tem seu momento de transe. Uma coisa notória são os riffs pesados eternizados por Iommi, e me chamou a atenção a quantidade de pessoas que cantavam os acordes de guitarra como se estivessem entoando um refrão. E depois ainda cantavam o refrão. Começo do show tem um quê de euforia, mas passada a emoção inicial, comecei a olhar um pouco mais criticamente para o espetáculo, de maneira a ter memórias mais reais e não puramente afetivas.
Jamais cometeria a heresia de falar mal de um show do Black Sabbath. Pra mim seria divertido ver até o boneco de cera dos caras, então assistir ao vivo foi como uma sensação de dever cumprido para um admirador e defensor ferrenho. Mas se tivesse que dizer se Ozzy estava num dia “sim” ou num dia “não”, eu ficaria em cima do muro bem hipocritamente dizendo que ele estava num dia “mais ou menos”.
Mas o que faltou em potência vocal e memória (Ozzy errou a entrada de Children of the Grave, mas pediu desculpas sob um sorrisinho maroto de Tony Iommi), ele compensou com o carisma de sempre e muito “let me hear you!!!”. Também percebi que em duas músicas foi feita uma mudança para um tom mais grave, certamente mais confortável para cantar. Da parte do duo Tonny/Geezer, não decepcionaram nem um milímetro e para mim foram perfeitos. O som de guitarra, baixo e bateria estava impecável no setor de onde assisti o show, que não era tão perto do palco. Aliás, impossível não comentar a performance do baterista, um rapaz que parece ter entrado numa máquina do tempo nos anos 70 e desembarcou aqui, no meio da zoeira contemporânea. Bonito de assisti-lo tocar, com muita presença mas também muita técnica e pegada forte, coisa necessária para quem vai acompanhar uma das maiores bandas de todos os tempos.
Créditos para a criatividade de quem montou o show, onde ao invés de rolar um intervalo de 15 minutos como costumeiramente fazem os artistas de mais idade, justamente o baterista supracitado faz um solo gigante, enquanto os outros integrantes provavelmente estavam grudados em suas máscaras de oxigênio para voltarem melhor no segundo tempo. Posso imaginar o diálogo do tour manager com o batera: “aí meu, tu aguenta um solo de mais ou menos uns 10 minutos enquanto as velhas descansam?” e o batera responde de pronto “claro, é nóis!”. No solo foi o único momento que o som ficou estranho, com o bumbo muito, muito grave, a ponto de eu ter tampado os ouvidos em alguns momentos. Fora isso, todo o resto da parte técnica foi perfeita, com uma menção honrosa para a transmissão em vídeo pelos telões. Além da altíssima qualidade de imagem, ainda eram inseridas texturas que iam de cores psicodélicas até labaredas de fogo, remetendo muito aos clipes antigos da banda tirados das apresentações no Top of the Pops britânico.
Termina o show e fico com sentimentos misturados, pois foi uma experiência fortíssima assistir à última turnê do Black Sabbath. E sempre é bom ir a um espetáculo em nível internacional e ver o que os gringos andam fazendo, que estruturas e equipamentos usam, etc. Ao mesmo tempo, fiquei com a sensação de que deveria ter ido em 2013 e, talvez, ter assistido um Ozzy três anos menos sequelado. Enfim, jamais saberei. Mas show de rock é isso aí e deixemos as performances irretocáveis para bandas de metal sinfônico e tantos outros influenciados pelos riffs eternos, mas que não amarram a chuteira dos verdadeiros inventores do heavy metal. O público, invariavelmente classe média, lota seus táxis e ubers (que demoram quase uma hora para chegar numa zona norte engarrafada) e voltam felizes para seus lares. E os reis do metal, imagino eu, voltam para suas suítes no Sheraton, pois não têm mais aquele pique para zoar na noite de Porto Alegre.
Produtor audiovisual e cultural, atua no Rio Grande do Sul colaborando com projetos em cinema, televisão, teatro e shows musicais. Como músico, fez parte de diversas bandas cover e autorais, atualmente desenvolvendo trabalho de discotecagem e pesquisa em música negra norte-americana e suas vertentes. Na Rede Sina vai publicar textos livres e bem humorados, buscando um olhar menos careta sobre o cotidiano.
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