“Doucer de vivre” foram as palavras proferidas por Talleyrand durante o Congresso de Viena. Talleyrand era um sujeito camaleão. Foi ministro de Negócios Estrangeiros da França em quatro distintas situações.
Ele manteve seu recorde de ter servido a todos governantes franceses desde antes da revolução. Teve a façanha de ser Ministro de Napoleão e de Luís XVIII. Um diplomata hábil e negociador que soube vestir a máscara adequada para cada ocasião.
A expressão “doucer de vivre” significava o sonho de voltar a Europa antes de 1789. O filósofo e poeta americano Peter Viereck nos ajuda a entender um pouco dessa ideia. No breve e delicioso Conservatism (1956), Viereck relembra a história do antigo rei do Piemonte-Sardenha, que perambulava pelas ruas do reino murmurando demencialmente a palavra ottantott. Para o infeliz monarca, tudo seria perfeito – ou, pelo menos, mais perfeito – se o mundo pudesse voltar a 1788, às vésperas da Revolução Francesa. Ottantott, expressão em italiano dialetal do Piemonte que significa “oitenta e oito”, era a utopia do rei destroçado.
O sonho de voltar a antes de 1789 acabou fracassando, pois, pouco a pouco, apesar da derrota temporária nas revoluções de 1830 e 1848, as duas ideias-forças da revolução – o liberalismo e o nacionalismo – se tornaram a nova ortodoxia.
É válido ressaltar que no período jacobino, quem quer que resistisse à correnteza do rio – a premissa de que o rio do tempo flui em uma única direção e inverter a corrente é impossível – ou mostrasse entusiasmo insuficiente a respeito da chegada ao destino era considerado “reacionário”. A palavra ganhou a conotação moral negativa que ainda hoje tem.
Ao longo do século XIX, no entanto, ficou evidente que nem todos os críticos da Revolução eram reacionários no sentindo estrito. Temos liberais reformistas como Benjamin Constant, Madame de Staël e Tocqueville que consideravam o colapso do antigo regime como um processo inevitável, mas não o Terror que se seguiu. Conservadores como Edmund Burke rejeitavam o radicalismo da Revolução e principalmente o mito histórico que posteriormente se desenvolveu em torno dela. Burke não concebia a ideia de história como uma força impessoal que nos conduz a destinos fixos. Para ele, isso poderia ser usado para justificar crimes em nome do futuro. Burke via a história como uma força que se desdobra lenta e inconscientemente ao longo do tempo, com resultados que ninguém pode prever.
Ou seja, se o tempo for um rio, será como o delta do Nilo, com centenas de tributários se espraiando em todas as direções possíveis e imagináveis.
Como diz Mark Lilla: “o problema começa quando governantes ou partidos no poder julgam-se capazes de prever em que direção a história já se encaminha. Isto foi demonstrado pela própria Revolução Francesa, que, em vez de acabar com o despotismo europeu, teve como involuntárias consequências imediatas levar um general corso ao trono imperial e dar origem ao moderno nacionalismo – resultados que nenhum jacobino previu”.
Para muitos, as esperanças podem ser desiludidas. Para outros, a nostalgia é irrefutável. Depois da Revolução Francesa, a nostalgia baixou como uma nuvem sobre o pensamento ocidental e nunca mais se afastou totalmente. Que o diga o século XX repleto de pensadores políticos e movimentos ideológicos que viveram da nostalgia política.
Referências
COUTINHO, João Pereira. As ideias conservadoras explicadas a revolucionários e reacionários. São Paulo: Três Estrelas, 2017.
KISSINGER, A Diplomacia das Grandes Potências. 2 ed. Trad. Saul S. Gefter e Ann Mary Fighiera Perpétuo. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1999.
LILLA, Mark. A mente naufragada: sobre o espírito reacionário. Trad. Clóvis Marques. 1 ed. Rio de Janeiro: Record, 2018.
RICUPERO, Rubens. O ponto ótimo da crise. Rio de Janeiro: Revan, 1998.
Prof. Dr. José Renato Ferraz da Silveira