{"id":4251,"date":"2018-07-09T09:15:52","date_gmt":"2018-07-09T12:15:52","guid":{"rendered":"http:\/\/redesina.com.br\/?p=4251"},"modified":"2020-11-12T03:25:26","modified_gmt":"2020-11-12T06:25:26","slug":"entrevista-thais-fujinaga","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/redesina.com.br\/entrevista-thais-fujinaga\/","title":{"rendered":"ENTREVISTA: THA\u00cdS FUJINAGA (roteirista e diretora)"},"content":{"rendered":"

No caso de personagens mulheres, o problema \u00e9 que a falta de profundidade na sua constru\u00e7\u00e3o, a repeti\u00e7\u00e3o de clich\u00eas e o olhar apropriador, objetificante, por parte de realizadores homens \u00e9 algo muito corrente, quase a regra.<\/p><\/blockquote>\n

Voc\u00ea j\u00e1 se perguntou qual a participa\u00e7\u00e3o das mulheres no cinema nacional? Das 2.583 obras audiovisuais registras na ANCINE em 2017, somente 17% foram dirigidas por mulheres e 21% s\u00e3o de autoria feminina. O Boletim GEMAA 2: Ra\u00e7a e G\u00eanero no Cinema Brasileiro (1970-2016) mostra que hist\u00f3rias narradas nos filmes nacionais de grande p\u00fablico t\u00eam protagonismo maior de homens (62%), quase todos brancos (50%). As mulheres somam apenas 39% desse resultado, que cai dramaticamente numa propor\u00e7\u00e3o de 18 para 1 se considerarmos as protagonistas negras.<\/p>\n

Para mudar este panorama, o Pr\u00eamio Cab\u00edria, idealizado pela realizadora mineira Mar\u00edlia Nogueira (confira entrevista em:\u00a0http:\/\/abra.art.br\/blog\/2017\/03\/26\/marilia-nogueira-e-o-protagonismo-feminino-no-premio-cabiria\/<\/a>), surgiu com a proposta de estimular a cria\u00e7\u00e3o de hist\u00f3rias com protagonistas mulheres relevantes e complexas, dar visibilidade a essas hist\u00f3rias, al\u00e9m de oferecer mais oportunidades para mulheres roteiristas. Em 2017, foram inscritos 120 roteiros e 30 deles foram indicados como semifinalistas por um Comit\u00ea de Sele\u00e7\u00e3o que contou com 20 roteiristas mulheres volunt\u00e1rias. Depois de mais de 4 meses de trabalho, os roteiros finalistas indicados pelo J\u00fari de 2017 foram:<\/p>\n

\u2013\u00a0Continente<\/em>\u00a0de Tha\u00eds Fujinaga \u2013 Pr\u00eamio Cab\u00edria (Melhor Roteiro com Protagonista Feminina): R$ 7.000,00 (venceu o pr\u00eamio pelo segundo ano consecutivo)<\/p>\n

\u2013\u00a0Hamster<\/em>, de Georgina Castro \u2013 Pr\u00eamio Incentivo \u00e0s Mulheres Roteiristas: R$ 3.000,00*.<\/p>\n

\u2013\u00a0Aqueles olhos de carv\u00e3o aceso<\/em>, de Isabella Poppe \u2013 Tradu\u00e7\u00e3o para o franc\u00eas oferecida pela empresa francesa Manivane.<\/p>\n

\u2013 A\u00a0Terra e os Sonhos\u00a0<\/em>de C\u00e1ssio Pereira \u2013 Consultoria de roteiro: oferecida pelo Maquin\u00e1rio Narrativo<\/p>\n

Hoje vamos falar com Thais Fujinaga que ganhou o pr\u00eamio de melhor roteiro pela segunda vez, agora com o roteiro Continente que fala sobre uma fam\u00edlia paulista que vai passar as f\u00e9rias no litoral.<\/p>\n

Thais \u00e9 formada em Audiovisual pela ECA\/USP e, atualmente, desenvolve os longas metragens\u00a0O Filho Plantado\u00a0e\u00a0Continente.\u00a0Em paralelo ao desenvolvimento de seus filmes,\u00a0tamb\u00e9m colabora como roteirista para projetos de outros realizadores, como longa\u00a0A Cidade Onde Envelhe\u00e7o, de Mar\u00edlia Rocha. Escreveu e dirigiu os curtas\u00a0Hoje \u00e9 o seu dia, A Visita, L\u00a0e\u00a0Os Irm\u00e3os Mai. Os dois \u00faltimos filmes participaram de dezenas de festivais de prest\u00edgio, tanto no Brasil, quanto no exterior, e ganharam, juntos, mais de 60 pr\u00eamios e men\u00e7\u00f5es especiais, inclusive no Festival de Berlin e Havana.<\/p>\n

Confira a sinopse do roteiro Continente e entrevista com Tha\u00eds.<\/p>\n

SINOPSE ROTEIRO: CONTINENTE<\/em><\/strong><\/p>\n

Uma\u00a0fam\u00edlia\u00a0paulistana\u00a0de\u00a0classe\u00a0m\u00e9dia\u00a0baixa\u00a0passa\u00a0as\u00a0f\u00e9rias\u00a0em\u00a0uma\u00a0cidade\u00a0litor\u00e2nea\u00a0que\u00a0abriga as praias menos atraentes da costa norte do estado de S\u00e3o Paulo. PAULA [38], gr\u00e1vida de 7 meses, seus filhos GUSTAVO [13], GABRIELA [8], e sua m\u00e3e\u00a0ANTONIA [64], dividem o tempo entre a praia feia, de areia escura e lamacenta, e a pequena casa rec\u00e9m adquirida pela fam\u00edlia.<\/em><\/p>\n

A casa, que fica afastada do mar, foi constru\u00edda na margem de um rio de \u00e1guas tamb\u00e9m escuras e barrentas, que separa a propriedade familiar do clube de veraneio constru\u00eddo em uma pequena ilha fluvial, na margem oposta. Descontentes com a praia e sem dinheiro para desfrutarem dos lazeres do clube, a fam\u00edlia decide construir uma piscina. As amea\u00e7as de chuva e as dificuldades financeiras atrapalham seus planos, trazem \u00e0 tona suas contradi\u00e7\u00f5es e revelam as nuances de um cotidiano de tens\u00e3o latente, acumulado de pequenas frustra\u00e7\u00f5es. Agora, eles precisam encontrar outra maneira de aproveitar as f\u00e9rias antes que o ver\u00e3o acabe.<\/em><\/p>\n

Como nasceu a ideia de seu roteiro?<\/strong><\/p>\n

Os processos de desenvolvimento dos roteiros que escrevi at\u00e9 aqui n\u00e3o foram iguais, mas posso dizer que todas as ideias que deram base para a constru\u00e7\u00e3o das minhas narrativas vieram, em alguma medida, de uma viv\u00eancia pessoal. A partir da mem\u00f3ria de uma experi\u00eancia espec\u00edfica, eu come\u00e7o a pensar personagens, espa\u00e7os e situa\u00e7\u00f5es em que uma hist\u00f3ria, um conflito possa se desenvolver. No caso do Continente, que \u00e9 um filme que se passa no litoral paulista, a ideia inicial era relacionar o desejo de uma fam\u00edlia de desfrutar o ver\u00e3o em uma praia pouco atraente e a crise da mulher que est\u00e1 no centro dessa fam\u00edlia. Todos os espa\u00e7os da trama s\u00e3o lugares que eu conhe\u00e7o e frequentei desde a inf\u00e2ncia. Muitos dos desejos e frustra\u00e7\u00f5es das personagens reverberam sentimentos meus em diferentes fases da vida, ou de pessoas pr\u00f3ximas, pessoas com quem convivo. O que n\u00e3o quer dizer que essa passagem da viv\u00eancia pessoal para a fic\u00e7\u00e3o seja feita de forma direta, sem elabora\u00e7\u00e3o. O contexto social e econ\u00f4mico da fam\u00edlia e a pr\u00f3pria trama foram criados para potencializar os conflitos internos e externos que me interessavam como autora.<\/p>\n

O que voc\u00ea prioriza na constru\u00e7\u00e3o de seus personagens?<\/strong><\/p>\n

Eu tendo a gostar mais de personagens que trazem a algum tipo de contradi\u00e7\u00e3o. Personagens falhos, ainda em busca. Quando vejo um filme em que uma personagem tem atitudes question\u00e1veis, mas ainda assim voc\u00ea consegue entender suas escolhas e partilhar seus sentimentos eu me sinto mais conectada \u00e0 sua humanidade e \u00e0 minha pr\u00f3pria humanidade. Mas n\u00e3o acho que personagens menos complexas, ou as que se convencionou chamar de \u201cpersonagens planas\u201d n\u00e3o possam ser interessantes tamb\u00e9m. Cada hist\u00f3ria espec\u00edfica vai demandar escolhas espec\u00edficas porque as personagens n\u00e3o existem no v\u00e1cuo, n\u00e3o t\u00eam for\u00e7a por si s\u00f3, na minha opini\u00e3o. Sua for\u00e7a vem do contexto ficcional onde est\u00e3o inseridas. No caso de personagens mulheres, o problema \u00e9 que a falta de profundidade na sua constru\u00e7\u00e3o, a repeti\u00e7\u00e3o de clich\u00eas e o olhar apropriador, objetificante, por parte de realizadores homens \u00e9 algo muito corrente, quase a regra. Por isso, iniciativas como o Pr\u00eamio Cab\u00edria s\u00e3o importantes, assim como \u00e9 essencial que a\u00e7\u00f5es afirmativas de ra\u00e7a e g\u00eanero se multipliquem em editais e concursos p\u00fablicos e privados.<\/p>\n

J\u00e1 possui novos roteiros em mente? Podem adiantar algo sobre os temas? O que gostariam ainda de escrever?<\/strong><\/p>\n

Tenho alguns projetos em diferentes fases de desenvolvimento (uns ainda na ideia, outros um pouco mais elaborados, alguns em parceira com outros realizadores). Mas o que eu gostaria de escrever, embora ainda n\u00e3o tenha come\u00e7ado de fato a pensar em uma hist\u00f3ria, \u00e9 uma com\u00e9dia.<\/p>\n

Quais as dificuldades que sente no mercado audiovisual? J\u00e1 sentiu algum preconceito, diferen\u00e7a por ser mulher?\u00a0<\/strong><\/p>\n

Eu tive o privil\u00e9gio de ter iniciado minha trajet\u00f3ria como diretora e roteirista na universidade, em um ambiente relativamente aberto \u00e0 participa\u00e7\u00e3o feminina nas fun\u00e7\u00f5es de dire\u00e7\u00e3o e roteiro, um ambiente cheio de mulheres (professoras e alunas) que me inspiraram e alguns homens que atuaram como importantes parceiros criativos. Talvez por ter vivido 5 anos nessa bolha eu n\u00e3o tenha percebido t\u00e3o cedo a desigualdade de g\u00eanero presente no nosso meio.<\/p>\n

O meu primeiro set profissional, no entanto, me colocou diante de algumas atitudes machistas. Como parte da equipe de c\u00e2mera ouvi algumas \u201cpiadas\u201d que desvalorizavam a mim e ao trabalho que estava realizando. Mas confesso que na \u00e9poca n\u00e3o achei que tinha sido v\u00edtima de machismo. N\u00e3o relacionei esse tipo de agress\u00e3o indireta com o fato de eu ser mulher. Apenas h\u00e1 uns 3 anos, ao olhar a realidade mais ampla do mercado, tanto nacional quanto mundial e ao participar de discuss\u00f5es dentro de grupos de mulheres trabalhadoras do audiovisual \u00e9 que ficou evidente essa falta de espa\u00e7o nas produ\u00e7\u00f5es, especialmente nas fun\u00e7\u00f5es de chefia dentro das equipes. Essa desigualdade, acredito, \u00e9 um reflexo da desigualdade presente em todos os setores da nossa sociedade, em todos os campos das artes, desde sempre. A mulher ainda \u00e9 vista, convenientemente, como menos capaz que os homens no desempenho de determinadas fun\u00e7\u00f5es de lideran\u00e7a.<\/p>\n

Ainda que eu n\u00e3o tenha sofrido de forma direta com o machismo presente no meio audiovisual \u2013 porque, como eu disse, a minha experi\u00eancia nasce de uma situa\u00e7\u00e3o que envolve privil\u00e9gio e um pouco de sorte -, cada vez mais tomo consci\u00eancia da import\u00e2ncia de discutirmos o machismo e a misoginia, o racismo, as desigualdades em geral para nos fortalecermos mutuamente, para lutarmos por nossos espa\u00e7os na produ\u00e7\u00e3o nacional.<\/p>\n

Saiba mais sobe o pr\u00eamio Cab\u00edria:<\/p>\n

https:\/\/www.cabiria.com.br<\/a><\/p>\n

Releia a entrevista Com Mar\u00edlia Nogueira para Abra:<\/p>\n

http:\/\/abra.art.br\/blog\/2017\/03\/26\/marilia-nogueira-e-o-protagonismo-feminino-no-premio-cabiria\/<\/a><\/p>\n

***<\/p>\n

Entrevista realizada por Melina Guterres, editora Rede Sina e associada a ABRA \u2013 Associa\u00e7\u00e3o Brasileira de Autores Roteiristas,\u00a0 originalmente publicada em:\u00a0http:\/\/abra.art.br\/blog\/2018\/03\/20\/o-que-pensam-os-roteiristas-finalistas-do-premio-cabiria-thais-fujinaga\/<\/span><\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

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