{"id":4247,"date":"2018-07-02T09:15:56","date_gmt":"2018-07-02T12:15:56","guid":{"rendered":"http:\/\/redesina.com.br\/?p=4247"},"modified":"2020-11-12T03:25:27","modified_gmt":"2020-11-12T06:25:27","slug":"entrevista-cassio-pereira","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/redesina.com.br\/entrevista-cassio-pereira\/","title":{"rendered":"ENTREVISTA: C\u00c1SSIO PEREIRA (roteirista)"},"content":{"rendered":"

Ainda faltam protagonistas femininas bem constru\u00eddas, faltam mais mulheres atr\u00e1s das c\u00e2meras, mais mulheres escrevendo e dirigindo. Algumas a\u00e7\u00f5es para dar mais oportunidades \u00e0s mulheres come\u00e7am a aparecer nas pol\u00edticas p\u00fablicas do audiovisual, mas penso que \u00e9 preciso mais.<\/p><\/blockquote>\n

Hoje vamos falar com C\u00e1ssio Pereira que ganhou uma consultoria do roteiro por A\u00a0Terra e os Sonhos <\/em>no Pr\u00eamio Cab\u00edria. O roteiro<\/em>\u00a0fala sobre uma menina de 11 anos quilombola nascida e criada no Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais. C\u00e1ssio \u00e9 graduado em Comunicac\u0327a\u0303o Social\/Cinema pela Universidade de Brasi\u0301lia. No ini\u0301cio de sua trajeto\u0301ria profissional, na cidade de Bras\u00edlia, trabalhou como produtor de se\u0301ries documentais na TV Escola, ale\u0301m de prestar servic\u0327os de assiste\u0302ncia de direc\u0327a\u0303o para cinema e publicidade. Como realizador independente, dirigiu 8 curtas-metragens, trabalhos que foram selecionados e premiados em dezenas de festivais brasileiros, ale\u0301m de receber pre\u0302mios no Japa\u0303o, Estados Unidos, Argentina, Uruguai, I\u0301ndia e Taiwan. S\u00e3o trabalhos como os curtas \u201cMenina Espantalho\u201d e \u201cMarina n\u00e3o vai \u00e0 praia\u201d, que n\u00e3o apenas conquistaram reconhecimento t\u00e9cnico e art\u00edstico, mas que tamb\u00e9m dialogam de forma eficaz com o p\u00fablico infantil e adolescente. Atualmente, Ca\u0301ssio desenvolve os projetos de dois longas-metragens, al\u00e9m de preparar uma se\u0301rie de TV para crian\u00e7as.<\/p>\n

O pr\u00eamio Cab\u00edria em 2017 teve 120 roteiros e 30 deles foram indicados como semifinalistas por um Comit\u00ea de Sele\u00e7\u00e3o que contou com 20 roteiristas mulheres volunt\u00e1rias. Depois de mais de 4 meses de trabalho, os roteiros finalistas indicados pelo J\u00fari de 2017 foram:\u00a0Continente<\/em>\u00a0de Tha\u00eds Fujinaga \u2013 Pr\u00eamio Cab\u00edria (Melhor Roteiro com Protagonista Feminina): R$ 7.000,00 (venceu o pr\u00eamio pelo segundo ano consecutivo),\u00a0Hamster<\/em>, de Georgina Castro \u2013 Pr\u00eamio Incentivo \u00e0s Mulheres Roteiristas: R$ 3.000,00*,\u00a0Aqueles olhos de carv\u00e3o aceso<\/em>, de Isabella Poppe \u2013 Tradu\u00e7\u00e3o para o franc\u00eas oferecida pela empresa francesa Manivane, A\u00a0Terra e os Sonhos\u00a0<\/em>de C\u00e1ssio Pereira \u2013 Consultoria de roteiro: oferecida pelo Maquin\u00e1rio Narrativo.<\/p>\n

\u00c9 importante recordar que das 2.583 obras audiovisuais registras na ANCINE em 2017, somente 17% foram dirigidas por mulheres e 21% s\u00e3o de autoria feminina. O Boletim GEMAA 2: Ra\u00e7a e G\u00eanero no Cinema Brasileiro (1970-2016) mostra que hist\u00f3rias narradas nos filmes nacionais de grande p\u00fablico t\u00eam protagonismo maior de homens (62%), quase todos brancos (50%). As mulheres somam apenas 39% desse resultado, que cai dramaticamente numa propor\u00e7\u00e3o de 18 para 1 se considerarmos as protagonistas negras.<\/p>\n

Confira a sinopse do roteiro e conversa com C\u00e1ssio:<\/p>\n

ROTEIRO: A TERRA E OS SONHOS<\/strong><\/p>\n

Sinopse: Jandira\u00a0(11) \u00e9 uma corajosa menina quilombola, nascida e criada no Vale do Jequitinhonha, Minas Gerais. Com a morte de sua m\u00e3e durante o parto, a menina se v\u00ea diante de um grande desafio: Jandira conseguir\u00e1 conciliar os seus estudos com a responsabilidade de cuidar de sua irm\u00e3 rec\u00e9m-nascida?<\/em><\/p>\n

Como nasceu a ideia de seu roteiro?<\/strong><\/p>\n

\u200bEm 2008 eu e minha irm\u00e3 Erika produzimos um curta chamado A MENINA ESPANTALHO, realizado por meio do edital Curta Crian\u00e7a, do MinC e TV Brasil. Foi um filme realizado para exibi\u00e7\u00e3o na televis\u00e3o, \u200bmas que tamb\u00e9m nos fez descobrir o universo do cinema infanto-juvenil, e dos festivais voltados a este p\u00fablico.<\/p>\n

Foi um filme inspirado em pequenas situa\u00e7\u00f5es que nossa av\u00f3 paterna nos contava sobre sua inf\u00e2ncia no interior de Minas e, principalmente, no desejo que ela tinha de aprender a ler. Nossa v\u00f3 era analfabeta e ap\u00f3s a morte dela, 15 anos atr\u00e1s, uma tia nos mostrou um caderno onde ela treinava a escrita do seu nome para n\u00e3o passar a vergonha de usar a impress\u00e3o digital nos documentos. O curta foi uma maneira de fazer essa releitura da inf\u00e2ncia da nossa av\u00f3, mas com certa fabula\u00e7\u00e3o e liberdade de cria\u00e7\u00e3o. A boa recep\u00e7\u00e3o deste filme,\u00a0 a forma como ele dialogou com o p\u00fablico, fez surgir em n\u00f3s o desejo de desenvolver um longa metragem inspirado no curta. O carreira do curta nos ensinou que \u00e9 fundamental produzir filmes que abordam a tem\u00e1tica da educa\u00e7\u00e3o, e o roteiro do longa \u201cA Terra e os Sonhos\u201d foi escrito a partir desta vontade de aprofundar um pouco mais na tem\u00e1tica do curta, e tamb\u00e9m de continuar mergulhando no interior de Minas Gerais, desta vez no Vale do Jequitinhonha. O longa ser\u00e1 dirigido por mim e pela minha irm\u00e3, Erika Santos.<\/p>\n

O que voc\u00ea priorizara na constru\u00e7\u00e3o de seus personagens?<\/strong><\/p>\n

\u200bO potencial da protagonista se transformar no decorrer do filme. \u200bNeste sentido, procuro construir a estrutura da narrativa em torno das personagens, o avan\u00e7ar da hist\u00f3ria tem que servir a constru\u00e7\u00e3o dos personagens, e n\u00e3o o contr\u00e1rio.<\/p>\n

Que tipo de roteiros voc\u00ea gostaria de assistir mais na tv e cinema?<\/strong><\/p>\n

Os roteiros que mais gosto s\u00e3o, na verdade, estudos de personagens. Gosto quando h\u00e1 um mergulho na subjetividade do protagonista, descobrir o que h\u00e1 contradit\u00f3rio, o que h\u00e1 de humanidade.<\/p>\n

J\u00e1 possui novos roteiros em mente? Pode adiantar algo sobre os temas? O que gostaria ainda de escrever?<\/strong><\/p>\n

\u200bRecentemente escrevi um telefilme chamado \u201cGuigo Offline\u201d, feito para veicula\u00e7\u00e3o na TV Cultura, e tamb\u00e9m est\u00e1 passando em festivais. Venceu melhor longa no Mix Brasil no ano passado. Tem tem\u00e1tica LGBT e \u00e9 voltado para o p\u00fablico infanto-juvenil. Acho importante escrever e produzir filmes que tenham personagens que fogem do padr\u00e3o mais retratado pela m\u00eddia. Geralmente, a maioria dos protagonistas s\u00e3o homens, brancos, cis, heterossexuais, e quando os personagens fogem deste padr\u00e3o, acabam sendo bastante estereotipados. Por isso acho importante escrever roteiros que ajudem a humanizar, aprofundar, e criar empatia em rela\u00e7\u00e3o a todos os personagens que fogem desta norma. Tamb\u00e9m me interessam protagonistas infantis bem constru\u00eddas, porque tenho a impress\u00e3o que a inf\u00e2ncia precisa ser melhor retratada no cinema brasileiro. S\u00e3o personagens que me instigam desde os meus primeiros curtas, e acho continuar\u00e3o protagonizando os pr\u00f3ximos projetos.<\/p>\n

Quais as dificuldades que sente no mercado audiovisual?<\/strong><\/p>\n

Ainda no in\u00edcio da minha carreira, cheguei \u00e0 conclus\u00e3o que n\u00e3o \u00e9 bom ficar esperando convites para escrever, para dirigir, e por isso comecei a produzir meus pr\u00f3prios filmes, o que n\u00e3o \u00e9 f\u00e1cil. H\u00e1 dois anos abri uma produtora ao lado da minha irm\u00e3, Erika Santos, que sempre produziu e agora est\u00e1 come\u00e7ando a dirigir. Al\u00e9m de ter de conciliar v\u00e1rias fun\u00e7\u00f5es, de empreender um grande esfor\u00e7o na escrita de projetos que sejam fortes o suficiente para ganhar editais, talvez o mais dif\u00edcil \u00e9 lidar com a burocracia dos projetos, a demora para receber as verbas do governo.\u00a0A gente ganha um edital e comemora, tem a impress\u00e3o que est\u00e1 tudo resolvido, e na verdade n\u00e3o, tem mais uma avalanche de burocracia para vencer at\u00e9 a verba ser liberada. Muitos meses resolvendo burocracia.\u00a0Tem que ter muito jogo de cintura e persist\u00eancia.<\/p>\n

J\u00e1 sentiu alguma vantagem por ser homem?<\/strong><\/p>\n

Come\u00e7ando por algumas situa\u00e7\u00f5es na inf\u00e2ncia e na adolesc\u00eancia, acho que sim. Isso por causa do machismo estrutural, inconscientemente incorporado na minha fam\u00edlia. Sou o \u00fanico filho homem e tenho duas irm\u00e3s mais novas, e era comum minha m\u00e3e pedir minhas irm\u00e3s para lavarem as lou\u00e7as em vez de mim. Isso \u00e9 um exemplo simpl\u00f3rio, mas diz muito da nossa sociedade, que ainda reproduz o machismo em dimens\u00f5es bem maiores. Na minha adolesc\u00eancia, comecei a me interessar por cinema, a me tornar um leitor voraz, e a arte me proporcionou uma tomada de consci\u00eancia sobre a exist\u00eancia do machismo e outras formas de opress\u00e3o. Foi a\u00ed que caiu a ficha que n\u00e3o d\u00e1 pra ficar reproduzindo o machismo nas situa\u00e7\u00f5es do cotidiano, que todos precisam tomar consci\u00eancia e dizer n\u00e3o para este tipo de opress\u00e3o.<\/p>\n

Percebe preconceito, diferen\u00e7a \u00e0s mulheres?<\/strong><\/p>\n

\u200bPercebo sim, tanto na vida quanto nos filmes. A gente sabe que isso se reflete em v\u00e1rias quest\u00f5es, desde a diferen\u00e7a salarial no mercado de trabalho at\u00e9 a falta de representatividade no cinema. Ainda faltam protagonistas femininas bem constru\u00eddas, faltam mais mulheres atr\u00e1s das c\u00e2meras, mais mulheres escrevendo e dirigindo. Algumas a\u00e7\u00f5es para dar mais oportunidades \u00e0s mulheres come\u00e7am a aparecer nas pol\u00edticas p\u00fablicas do audiovisual, mas penso que \u00e9 preciso mais.<\/p>\n

Apesar de existir o preconceito, tento fazer minha parte e contribuir como aliado. E esta minha fala n\u00e3o \u00e9 simplesmente para fazer coro ao momento pol\u00edtico, \u00e0 tomada de consci\u00eancia atual sobre o ass\u00e9dio e o machismo. Tenho sido aliado das mulheres desde meus primeiros passos no audiovisual (comecei em 2001), seja colaborando na assist\u00eancia de dire\u00e7\u00e3o e edi\u00e7\u00e3o para diretoras, seja escrevendo protagonistas femininas que tentam fugir dos clich\u00eas, trazendo o m\u00e1ximo de mulheres como cabe\u00e7as de equipe dos curtas, sempre ouvindo opini\u00f5es e respeitando a subjetividade das profissionais com as quais colaboro. A presen\u00e7a e a contribui\u00e7\u00e3o feminina sempre foi muito forte nos nossos projetos, e procuro me engajar como aliado.<\/p>\n

Espero poder testemunhar um mundo com muito mais mulheres em posi\u00e7\u00f5es de poder, tanto na vida quanto no audiovisual.<\/p>\n

Saiba mais sobe o pr\u00eamio Cab\u00edria:<\/p>\n

https:\/\/www.cabiria.com.br<\/a><\/p>\n

A 3\u00aa edi\u00e7\u00e3o do Cab\u00edria est\u00e1 com inscri\u00e7\u00f5es abertas at\u00e9 dia 24 de abril em uma parceria com o FRAPA \u2013 Festival de Roteiro Audiovisual de Porto Alegre. A curadoria do festival ir\u00e1 indicar at\u00e9 15 roteiros que ser\u00e3o avaliados pelo j\u00fari do Cab\u00edria, composto por 5 mulheres do mercado audiovisual. Est\u00e3o aptos a concorrer: roteiros de longa-metragem (fic\u00e7\u00e3o) com protagonistas mulheres, escrito por ou em coautoria com roteiristas do sexo feminino. Pr\u00eamio: R$3.000,00
\nRegulamento geral e inscri\u00e7\u00f5es:
\n
https:\/\/www.frapa.art.br\/<\/a>\u00a0<\/i><\/p>\n

Releia a entrevista Com Mar\u00edlia Nogueira para Abra:<\/p>\n

http:\/\/abra.art.br\/blog\/2017\/03\/26\/marilia-nogueira-e-o-protagonismo-feminino-no-premio-cabiria\/<\/a><\/p>\n


\n

***<\/p>\n

Entrevista realizada por Melina Guterres, editora Rede Sina e associada a ABRA \u2013 Associa\u00e7\u00e3o Brasileira de Autores Roteiristas,\u00a0 originalmente publicada em:\u00a0http:\/\/abra.art.br\/blog\/2018\/04\/03\/o-que-pensam-os-roteiristas-finalistas-do-premio-cabiria-cassio-pereira\/<\/span><\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

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