“O DESERTO AZUL DA CRIATIVIDADE” por Bartira Bejarano Campos

Artigo escrito em junho de 2017 para o Programa de Pós-Graduação em Meios e Processos audiovisuais da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo. Bartira Bejarano Campos é roteirista e pesquisadora, mestre em Audiovisual pela ECA-USP. Produz conteúdo para TV e WEB, já escreveu para canais como GNT, TV Cultura, SBT e Globoplay. Seu trabalho inclui projetos de ficção, não-ficção, documentais e institucionais. Nasceu em São Paulo em 1983, é formada em Comunicação Social em Multimeios na PUC-SP, e em seu mestrado especializou-se em roteiro, percorrendo seus processos criativos.   Dia 12 de maio, quarta-feira, às 19h tem live de lançamento do livro “Sala de Roteiro” da autora na Rede Sina. Em breve mais informações.    ARTIGO: “O DESERTO AZUL DA CRIATIVIDADE” por Bartira Bejarano Campos Resumo: Diante da complexidade do conceito de criatividade, a monografia busca apresentar definições que melhor ilustram os processos de criação em contextos colaborativos, como as recentes Salas de Roteiristas para séries televisivas, à luz da ideia de rede líquida de Steven Johnson. Para tanto, abordaremos sobretudo o sistema modelo formulado por Mihalyi Csikszentmihalyi, ao propor que a criatividade surge em virtude de um processo dialético entre indivíduos de talento, áreas do conhecimento e práticas, e campos de juízes instruídos. Palavras-chave: Criatividade, sala de roteiristas, criação colaborativa, processo de criação, séries televisivas. É chamado de deserto azul o trecho do oceano pacífico que se estende entre a Ásia e as Américas. A definição é clara, são milhares e milhares de quilômetros de mar aberto onde só se vê água azul, não há profundidade suficiente para ancorar, não há terra à vista, portanto, não há nenhuma ilha ou continente para aportar[1]. Quase que não importam mais as marés, os ventos, as ondulações e as correntes marítimas. A sensação de quem por lá navega é de estar sempre à deriva, na superfície de um deserto salgado e mole, castigado pelo sol. Ocorre que, no interior deste deserto, algumas espécies sobrevivem à falta de nutrientes e um mundo misterioso e pouco explorado encontra-se oculto nas profundezas do mar. Metaforicamente, quem estuda a criatividade passa a navegar águas profundas, e, a cada trecho busca jogar sua âncora em alguma terra firme, busca se encontrar em meio ao oceano de conceitos e propostas. Mesmo que certos mapas apontem direções promissoras, o marinheiro não pode se esquecer do que há submerso, aquele mundo que por diversas vezes foge de seu conhecimento de navegação. Não se trata de dizer que os estudos sobre criatividade são inconsistentes. O que se permite refletir é que tais estudos habitam diferentes lugares e apontam ideias divergentes que por vezes se colidem e dizem respeito aos mais variados contextos e áreas. Falar em criatividade é falar muitas línguas, é dialogar com muitas culturas, é perder-se e achar-se em conceitos e definições que permeiam a busca por compreender o nascimento de novas ideias, a gênese, o indivíduo criativo e seu processo do criar. Falar em criatividade é falar de um estudo interdisciplinar, que, além de estar enraizado na psicologia, também encontra-se na epistemologia e na sociologia (BODEN, 1999). Diante da criatividade está um mar de definições, e dentro de um indivíduo criativo também habita um mar de conexões e ideias inovadoras. Metáforas à parte, Margareth Boden em seu livro “Dimensões da Criatividade” (1999, p.204) diz que a criatividade denota a capacidade de uma pessoa para produzir ideias, concepções, invenções ou produtos artísticos novos ou originais, que são aceitos pelos especialistas como tendo valor científico, estético, social ou técnico. Dentro desta definição, a criatividade somente existe mediante aceitação de especialistas e é justamente este o ponto de partida do estudo sobre criatividade proposto pelo psicólogo húngaro Mihaly Csikszentmihalyi, em seu livro “Creativity: Flow ante the Psychology of Discovery and Invention” (1997). Csikszentmihalyi aponta que sempre a primeira questão que um autor coloca é o que é a criatividade?, mas, para ele, a pergunta correta seria onde está a criatividade?. A criatividade não ocorre dentro da cabeça de uma pessoa, mas sim em uma interação entre os pensamentos desta pessoa e seu contexto social. Boden concorda: Quem quiser entender os fenômenos da criatividade não pode simplesmente focalizar o indivíduo – cérebro deste, a personalidade daquela, as motivações daqueles. Ao invés disso, é preciso ampliar o foco para incluir um estudo da área em que o indivíduo criativo opera e dos procedimentos utilizados para emitir julgamentos de originalidade e qualidade. (BODEN, 1999, p. 152) Ideias criativas desaparecem se não houver um receptor que a registre e a implemente. Segundo este ponto de vista, a criatividade resulta da interação entre cultura, pessoa e campo de atuação (CSIKSZENTMIHALYI, 1997). Portanto, o autor propõe que a criatividade somente pode ser vista e observada em inter-relações de um sistema entre três principais partes: Pessoa, área e campo, o que ele denomina Sistema Modelo[2]. A pessoa está inserida em uma área de atuação, que por sua vez encontra-se dentro de um contexto maior, um campo. Por campo, entendemos ser um lugar, ou alguém, uma entidade ou órgão que reconhece a criação desenvolvida pela pessoa. Este lugar é específico de determinada área. O Sistema Modelo reconhece que, de fato, a criatividade não pode estar separada de seu reconhecimento. A pessoa criativa precisa convencer o campo que sua ideia é válida, é inovadora (CSIKSZENTMIHALYI, 1997). Por área, entendemos como o conjunto de regras, de técnicas de um determinado ofício, seus métodos, suas formas e seu conhecimento simbólico. Já a pessoa que cria dentro desta área especifica conhece suas regras e seus métodos. Esta pessoa usa seu domínio dentro de uma área de atuação, dentro de um determinado campo composto por profissionais gabaritados capazes de julgar a sua invenção. E é por uma conexão inseparável que a criatividade deve, em última análise, ser vista não como algo que ocorre dentro de uma pessoa, mas dentro de um sistema (CSIKSZENTMIHALYI, 1997). O Sistema Modelo pode ser ilustrado da seguinte maneira: Figura 1: Csikszentmihalyi’s Creative System Model Sendo assim, a pessoa não pode ser criativa estando fora … Continue lendo “O DESERTO AZUL DA CRIATIVIDADE” por Bartira Bejarano Campos