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O BOLSONARISMO É UM TIPO DE ESPERANÇA por ROGER BAIGORRA MACHADO

Uma crônica de Roger Baigorra Machado

Rato após rato, morte após morte. Parecia que havia um padrão.

Costuma-se dizer que quando um navio está afundando, os primeiros que se jogam no mar são eles, os ratos. Os ratos são bons nadadores. Esse movimento instintivo fez com que eles sobrevivessem em situações onde outros animais dificilmente teriam sucesso. Por séculos, eles sobreviveram entre um navio e outro, migraram entre continentes, foram se adaptando e sobrevivendo. E hoje os ratos vivem confortavelmente entre os humanos, dominando os esgotos das nossas cidades. O Centro de Controle de Zoonoses do município de São Paulo, por exemplo, estima que existam 160 milhões de ratos na cidade, algo em torno de 15 vezes o número de pessoas. Em Nova York, outra cidade gigante, estima-se que existam dois milhões de ratos. Eles são bons em sobreviver. Os ratos são interessantes.

Nos Estados Unidos, lá pelos idos dos anos 1950, um cientista chamado Curt Paul Richter (1894-1988), também tinha interesse pelos ratos e pela sua mania de sobrevivência. Por sinal, as ciências e os ratos tem uma relação muito íntima, os ratos são os responsáveis pela maioria das descobertas feitas no último século, servindo de cobaias em experimentos que vão da indústria farmacêutica e neurociência até pesquisas militares e bélicas.

Curt P. Richter fez muitas descobertas sobre o hipotálamo, utilizando ratos em seus experimentos. E quando ele ainda era professor na Johns Hopkins University, por volta de 1957, Richter publicou um estudo chamado “On the Phenomenon of Sudden Death in Animals and Man”, algo como “Sobre o fenômeno da morte súbita em animais e no homem”.

Intrigava o cientista como podia que pessoas e animais morressem sem nenhum tipo de comorbidade ou lesão aparente, simplesmente, e subitamente, morriam. Quais fatores associados explicariam uma morte que aparenta não ter motivo?

Em seu artigo, Richter fala de um cirurgião do Jonhs Hopkins Hospital, Dr. J. M. T. Finney, que relatava que muitos de seus pacientes, aterrorizados com o fato de passarem por um procedimento cirúrgico, morriam antes mesmo da cirurgia. Literalmente, morriam de medo. Durante a Segunda Guerra Mundial, inúmeros eram também os relatos de soldados que tiveram morte súbita antes de irem para os combates, indivíduos que gozavam de boa saúde e de boas condições físicas e quando observados durante a autópsia, não apresentavam nada, nenhuma patologia que explicasse as suas mortes.

Mas o que faz um homem ou um animal morrer subitamente?

O estudo de Richter era simples. Consistia em pegar três recipientes de vidro e enchê-los com água até a metade, depois, ele colocava três ratos, um em cada recipiente. Como os recipientes estavam com água até a metade, isso fazia com que os ratos não conseguissem tocar no fundo, tão pouco conseguissem escalar para fora. Cada recipiente recebia um jato de água no centro, isso fazia com que os ratos fossem impedidos de flutuar. Eles eram obrigados a nadar. Os ratos são bons nadadores. Lembra? Mas por quanto tempo? Por qual motivo?

Richter utilizou dois grupos diferentes de ratos, o primeiro grupo era formado por ratos de laboratório, animais domesticados. O outro grupo era composto por ratos selvagens. Em síntese, todos os ratos morreram afogados no início, alguns sobreviviam dois minutos, outros quinze, mas todos se afogavam. Alguns ratos nadavam até o fundo do recipiente, tentando encontrar uma saída, ao retornar e ver que não havia como se libertar, logo desistiam e se afogavam. Eles desistiam de viver.

O grupo de ratos de laboratório, acostumados com a presença humana, demoravam mais para morrer. Os ratos selvagens, expostos a níveis de estresse maiores, morriam bem mais rápido. Seria o medo ou o estresse que fazia com que uns morressem primeiro do que outros?

Rato após rato, morte após morte. Parecia que havia um padrão. No início, os ratos nadavam normalmente, tentando encontrar uma forma de fugir do recipiente. Com o passar dos minutos, um tipo de desespero começava. Um tipo de desesperança. Ela ficava tão grave que fazia com que os ratos simplesmente desistissem de nadar. Eles se entregavam para a morte, sem lutar, sem tentar, subitamente morriam.

Richter então experimentou um novo grupo de ratos. O padrão seguia o mesmo, mas depois de alguns minutos, ele resolveu retirar alguns dos ratos de dentro do recipiente e segurá-los nas mãos. Os ratos eram retirados minutos antes do tempo que marcaria a morte por afogamento, o momento da desesperança. O cientista retirava o animal e o segurava na mão por alguns segundos na mão. Alguns ratos selvagens, ainda assustados, mesmo fora da água, entravam em desespero por sentirem-se presos e seguiam morrendo. E morriam de forma súbita, morriam da mesma maneira que os pacientes do Hospital Jonhs Hopkins antes das cirurgias ou como morriam os soldados antes dos combates durante a guerra. Mas com o tempo e a repetição, os ratos selvagens foram se acostumando e percebendo que ficar contidos nas mãos humanas não era algo tão desesperador. Os ratos de laboratórios, depois de contidos fora do recipiente, se recuperavam e ao serem colocados de volta na água, nadavam novamente e por mais tempo ainda.

A cada retorno ao recipiente, tanto os ratos selvagens quanto os ratos domesticados, foram aumentando o temo de permanência na água. Com o tempo, os ratos selvagens também passaram a se recuperar com muito mais rapidez. Alguns animais, sabendo que se permanecessem vivos e nadassem, seriam retirados da água, chegaram a nadar por 60 horas. Um rato chegou a nadar por 81 horas.

Richter concluiu que havia uma variável que alterava tudo, ao incluir uma esperança diante do rato, a busca pela sobrevivência era maior que o medo e isso evitava a morte súbita. Ao eliminar o desespero, ou seja, a “desesperança”, os ratos nadavam mais, pois sabiam que em algum momento seriam salvos.

A esperança se demonstrou um fator decisivo para o comportamento dos ratos diante de situações desesperadoras.

Os humanos, assim como o ratos, quando postos diante de situações desesperadoras, também morrem subitamente, por medo ou pânico, algo ocorre e a vida simplesmente se vai subitamente. O Dr. J. M. T. Finney, dizia que quando se deparava com um paciente em pânico, com medo das seringas, das agulhas, preferia não fazer a cirurgia, pois sabia da possibilidade da morte súbita. A esperança faz com que a vontade de viver se imponha, até mesmo quando o corpo já está afogado.

Mas este texto não é sobre ratos, mas sobre política. É que o experimento de Richter vale também para a realidade política brasileira.

No último dia 07 de setembro, alguns milhares de brasileiros foram para as ruas, com bandeiras do Brasil Império, bandeiras do Brasil, faixas apoiando o bolsonarismo, bradando pelo retorno da monarquia ou por intervenção militar, carros de som pedindo o fechamento do Superior Tribunal Federal e outras sandices. Metaforicamente, poderíamos pensar que estes brasileiros são feito os ratos do experimento, presos num vidro cheio de água até a metade.

O medo e a esperança são valores muito utilizados na política, eles servem para direcionar o nado ou mesmo para evitar afogamentos por um determinado tempo.

Muitos eleitores, que há dois anos usavam as camisetas da CBF, foram cercados pelo medo, viram-se virtualmente invadidos por fake news que diziam que o comunismo iria dominar o mundo ou que os seus filhos iriam usar mamadeira de piroca na escola. E tão logo entraram na água, estes eleitores perceberam que o bolsonarismo era uma ilusão, pois não conseguiria ser capaz de salvar seu poder aquisitivo, ou mesmo, de garantir uma alimentação mínima.

Esse primeiro grupo viu que o governo não tinha como objetivo gerar empregos ou mesmo apresentar qualquer programa econômico que pudesse garantir dignidade aos trabalhadores. As reformas planejadas pelo governo federal serviam apenas para gerar lucro para os que já eram ricos. Muitos destes primeiros que entraram no vidro do bolsonarismo, rapidamente desistiram, deixaram de tentar nadar. Entregaram-se à uma morte súbita, devido ao medo excessivo gerado no início e a desesperança de ver que nada seria feito para retirá-los de dentro da água. E nesse vidro cheio de água em que a política brasileira está jogada, nem sempre a esperança é uma coisa boa. Sim, a esperança pode ser algo ruim.

Já os brasileiros que seguem indo para as ruas, pedindo pelo golpe de Estado, estes são os ratos do segundo grupo, os ratos que nadam 60 horas ou mais. De tempos em tempos, quando dão sinal de cansaço diante da inflação e dos elevados preços dos combustíveis, eles são retirados do vidro. O medo ainda segue sendo um valor importante para que nadem, mas para que não se afoguem, eles são motivados por discursos presidenciais e por teorias conspiratórias. E eles se motivam pela culpabilização de terceiros, atribuindo à outros sujeitos, como os governadores e o STF, a culpa pelo governo medíocre que idolatram e que se mostra incapaz de agir diante de qualquer crise.

Tanto num recipiente de vidro quanto na política, a morte súbita ocorre quando a esperança se esvai. Neste sentido, o bolsonarismo é um tipo de esperança. Uma esperança que motiva seus membros para que protelem ao máximo o afogamento. E assim, eles seguem nadando, manobrados em massa pelas ruas, defendendo interesses de grupos dominantes economicamente, esperançosos por um Brasil ditatorial, dominado pela vontade de um líder militarista. Esperançosos por um país onde “as minorias se curvem diante da maioria”, um país que tenha como meta a perseguição dos opositores do governo em detrimento do Estado de direito que sustenta nossa Constituição. E quem os motiva, de tempos em tempos, com doses destas esperanças tristes, sabe do fim inevitável: o afogamento.

 

 

Roger Baigorra Machado é formado em História e com Mestrado em Integração Latino-Americana pela UFSM. Foi Coordenador Administrativo da Unipampa por dois mandatos, de 2010 a 2017. Atualmente trabalha com Ações Afirmativas e políticas de inclusão e acessibilidade no Campus da Unipampa em Uruguaiana.É membro do Conselho Municipal de Educação, do Conselho de Acompanhamento e Controle Social do FUNDEB e do Conselho Municipal de Desenvolvimento Econômico do Município de Uruguaiana e é conselheiro da Fundação Maurício Grabois. Em 2020 passou a compor o Centro de Operação de Emergência em Saúde para a Educação, no âmbito do município de Uruguaiana/RS. No resto do tempo é pai do Gabo, da Alice e feliz ao lado de sua esposa Andreia.
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