Uma vez eu tive a mesma conversa com duas pessoas diferentes, em anos diferentes, e foram os dois lados da mesma moeda.
A primeira conversa foi com uma senhora de Porto Alegre em um voo a São Paulo. A senhora estava vendendo produtos da Mary Kay, e encantada com ganhar dinheiro sozinha. Eu nunca gostei de marketing de redes, tem muito de “pirâmide” financeira naquilo, e tentar ganhar a vida vendendo coisas para os amigos é uma boa maneira de não ter amigos. Igual eu gostei do entusiasmo dela, mas a conversa não era muito interessante, até que ela disse uma coisa que me soou muito verdadeira:
“todo mundo tem esta ilusão de que a carteira assinada é uma garantia, mas não garante nada. Se a empresa tá perdendo dinheiro você vai para a rua igual”.
É verdade. Quando uma empresa vai mal, quem achava que tinha um trabalho “estável” e o dinheiro “garantido” descobre que sempre tomou o risco da empresa, até mais do que os próprios donos, porque o funcionário vai para a rua primeiro.
A segunda conversa foi com um amigo e ex-colega de trabalho, que me ligou convidando para sentar e conversar porque ele precisava da minha opinião.
O fato de que meu amigo estava pedindo minha opinião já falava muito sobre ele, porque ele tinha 20 anos a mais do que eu, tanto de idade como de experiência. Quando eu falo experiência, é da de verdade: altos, baixos, mudanças, crises, oportunidades, sucessos, fracassos. Não é repetir o mesmo ano 20 vezes como tem gente que faz igual ele; me buscou porque ele sabia de uma verdade universal: o porteiro do seu prédio tem conhecimentos, experiências e sabedorias que você não tem, nem entende. Não é que o porteiro seja melhor ou pior que ninguém, é que a variedade da experiência humana é muito grande, sempre tem mais para aprender.
Meu amigo estava tentando decidir: continuar na empresa em que estava, ou arriscar tudo e abrir uma empresa dele. O detalhe é que ele ganhava 100 mil dólares por mês no seu emprego. Eu olhei pra ele e perguntei “quanto lucro a divisão que você lidera está gerando?” Eram 20 milhões de dólares por ano.
“E quantos anos de carreira você ainda tem pela frente?”. 10, talvez 15. A matemática era muito simples. No caso dele, não era somente que ele também estava tomando o risco da empresa, era que por mais que ele ganhasse muito bem, a empresa estava limitando o ganho dele. Ele podia passar os últimos 15 anos da sua carreira fazendo mais do mesmo, e cada ano saber que se as coisas fossem mal, ele iria para a rua e suas possibilidades futuras seriam cada vez menores. Esta era a outra metade da conversa com a senhora de Porto Alegre: emprego é tomar todo o risco de que a empresa vá mal, e não participar se ela vai muito bem.
Isto não conta somente para decidir entre emprego e empresa, se forçar a ver o fato de que você está tomando todo o risco empresarial de qualquer maneira faz com que você queira brigar por sua fatia do lucro. No meu segundo ano de carreira, metade da minha renda passou a ser por resultados, por minha decisão e insistência. A partir daí eu sempre negociei um salário menor por uma fatia maior, e terminei ganhando muito mais, todos os anos. Como eu nunca cai na conversa de que salário é “garantido”, eu aprendi a brigar por fazer meu negócio dar resultado.
Agora, já muito adiante na minha carreira, eu estou começando toda uma divisão de uma empresa do zero, e estou me dando conta de uma coisa nova: não ter nada é um luxo! Qualquer progresso que nós temos é novo, é adicional, soma e multiplica. Não ter nada significa não ter medo de perder nada, e poder fazer as coisas que eu não poderia fazer em uma empresa onde eu tivesse medo de perder o que tenho estabelecido. Pensemos num exemplo hipotético: será que a IBM poderia ter inventado o Google ou o Facebook? Tecnologicamente claro que sim, eles sempre foram muito bons. Como organização, impossível. Tem interesses demais comprometidos com lucro de curto prazo. “Você inventou esta coisa maravilhosa e agora que dar de graça pros usuários? Pirou! Sai daqui menino que agora os profissionais vão tomar conta!” E depois de muitas reuniões, memorandos e apresentações de powerpoint, os profissionais experientes decidiriam cobrar US$29,99 por usuário, e enterrariam as duas plataformas.
No meu caso, a outra coisa que estou adorando é não ter interesses comprometidos. Eu tenho o luxo de poder colocar os interesses do cliente primeiro. Minha concorrência tem medo de não ganhar tanto dinheiro quanto ano passado, então eles decidem contra os interesses do cliente para salvaguardar o lucro, e assim criam a minha oportunidade. A melhor hora de entrar no mercado é quando o mercado está desastroso. Nesta hora, as vozes que salvaguardam os números do ano passado são mais altas ainda, e com isto eles criam ainda mais oportunidades para quem está entrando.
O caos é amigo da inovação.
Esta renovação constante do mercado é o oxigênio do crescimento econômico do mundo, mas como tudo, a chave são as pessoas. Se dar conta que o risco empresarial já é seu de qualquer maneira e que o que falta é o lucro, é um motivador muito poderoso. Ajuda a vender Mary Kay, a abrir uma empresa, a ganhar mercado, e até a inventar o próximo Google ou Facebook.
Paulo Trindade é Gerente Geral da Sure Good Foods USA, e vive em Atlanta nos Estados Unidos. É formado em Administração pela UFSM e tem mestrado em Administração pela Emory University. Há exercido funções de liderança em empresas de alimentos e Comércio Exterior em vários países, e vivido na Argentina, Ásia, e México.