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ENTREVISTA: LUCAS PARAIZO (roteirista)

Eu costumo dizer para os meus alunos que todas as histórias já foram contadas. Isso é muito do que eu ouvi. Aí o aluno pergunta “o que eu estou fazendo aqui, se todas as histórias já foram contadas?” Eu costumo responder que é porque falta uma: a sua. Então, de alguma maneira, esse ineditismo, essa criatividade, esse olhar diferente para coisas, nada mais é do que um olhar particular. Que trate de um tema universal, mas que seja particular.

“Rubens é um professor de natação infantil acusado pelos pais de um aluno de beijar o filho deles na boca no vestiário do clube. Quando a acusação viraliza nos grupos de mensagens e redes sociais da escola, começa um julgamento precipitado de Rubens sobre suas ações e intenções.” (sinopse do filme Aos Teus Olhos)

Inspirado na peça teatral “O princípio de Arquimedes”, o filme “Aos teus olhos”, de Carolina Jabor, foi premiado recentemente no Festival de Cinema do Rio como melhor filme, segundo o público – levou também os prêmios de melhor ator, Daniel Oliveira, de ator coadjuvante, Marco Ricca e de melhor roteiro, Lucas Paraizo, e na Mostra de Internacional de Cinema de São Paulo por Melhor filme pelo júri.

O roteirista Lucas Paraizo, indicado por George Moura, foi escolhido para fazer a adaptação do texto escolhido por Carolina Jabor. Lucas é Roteirista de cinema e TV. Formado em jornalismo pela PUC-Rio e em roteiro pela EICTV (Escuela Internacional de Cine y Televisión, San Antonio de los Baños, Cuba). Pós-graduado em roteiro pela ESCAC (Escola Superior de Cinema i Audiovisuals da Catalunya) e Mestre em Artes Cênicas pela Universidade Autônoma de Barcelona. No cinema também assina Gabriel e a Montanha, Divinas Divas, Aula Vazia, Laura. Na TV as séries “A Teia”, “O Caçador”, “O Rebu”, “Justiça” (prêmio ABRA de melhor série Drama de 60 minutos) e “Sob Pressão” para Rede Globo. É autor do livro “Palavra de Roteirista”. Atualmente pertence ao corpo docente dos cursos de cinema da PUC-Rio e da EICTV.

Sobre o filme Aos Teus Olhos, Paraizo conta que “A peça original só tinha quatro personagens e se passava num só espaço. Eu precisei criar outros personagens, criar uma vida fora daquele vestiário. Apesar das pessoas dizerem que quando você adapta é muito mais fácil… Mais ou menos! Você tem uma densidade no conceito, isso sim! Mas quando você precisa se desgarrar um pouco do original, é quando você consegue a liberdade para criar em cima dele.”

Já sobre processo seu criativo como roteirista, diz que “O que me motiva a escrever é tentar entender um pouco o que acontece dentro de mim e ao meu redor, tentar traduzir em emoção e ação as coisas que talvez eu não consiga traduzir em palavras e criar os personagens para que eles sejam confusos para que eles sejam conflituosos para que eles sejam duvidosos e para que nas suas jornadas de alguma maneira eles consigam se revelar, se conhecer, se descobrir, se transformar e fazer isso com o público.”

“Aos Teus olhos” estreou nos cinemas em abril e logo deve chegar à televisão.

Confira a entrevista:

Como surgiu a ideia deste roteiro? O que veio primeiro? Sinopse, argumento ou roteiro? Quantos tratamentos o filme teve?

A Carolina Jabor, diretora do filme, leu uma peça de teatro chamada “O Princípio de Arquimedes”, publicada no Brasil pela editora Cobogó, e ficou com vontade de adaptar o texto para o cinema. Ela foi convidada pela Globo filmes para fazer o que eles estão chamando, hoje, de “janela curta”. Ou seja, filmes com orçamento baixo, que tem uma vida rápida no cinema e logo vão para televisão, e para todos os “otts”, os “on demands”.

O supervisor desse projeto na Globo é o George Moura, com quem eu já tinha trabalhado. Eu escrevi o Rebu junto com ele. Foi ele que me recomendou para este trabalho, eu conheci a Carolina e comecei a desenvolver o roteiro desse filme com a supervisão do George, que acompanhou todo o processo.

O roteiro foi escrito muito rápido, tinha uma base muito sólida, a Carolina sabia muito bem o que queria: um filme com um final contundente, aberto, um final que com menos respostas e que provocasse mais o público, fizesse mais perguntas, indagasse, colocasse este público numa certa posição de juiz dentro da história. Escrevi o roteiro de março a setembro de 2016. E logo depois, ainda em setembro, a gente começou a filmar. Foram quatro semanas de filmagem e cinco tratamentos – quatro mais um final, cinco tratamentos.

Comparado com os outros filmes que escreveu, houve muitas diferenças no seu processo de criação? Algum desafio que sentiu no processo?

Olha, na verdade, cada filme é um filme. Eu sou um roteirista e exclusivamente roteirista. Ou seja, não tenho nenhuma intenção de dirigir. Para mim, no cinema, a onda é embarcar um pouco na loucura do autor, na loucura do diretor e ser um pouco parceiro dele. Eu já fiz filmes que escrevi sozinho, outros que escrevi com mais duas pessoas, e também já fiz filmes em que eu entrei numa etapa do processo, posterior ou anterior a uma versão específica. No caso do “Aos teus olhos” acho que o desafio, de alguma maneira, era fazer com que um texto muito bom de teatro, que era concentrado todo dentro de um vestiário de um clube de natação, se transformasse num filme de uma hora e meia com densidade, profundidade, personagens com camadas. Então, ampliar aquela história foi um grande desafio. A peça original só tinha quatro personagens e se passava num só espaço, como eu falei. Eu precisei criar outros personagens, criar uma vida fora daquele vestiário.

Marco Ricca (prêmio de melhor coadjuvante) e Malu Galli em cena do filme Aos teus olhos.

Apesar das pessoas dizerem que quando você adapta é muito mais fácil…mais ou menos! Você tem uma densidade no conceito, isso sim! Mas quando você precisa se desgarrar um pouco do original, é quando você consegue a liberdade para criar em cima dele. Então, acho que o desafio maior foi conseguir entender o que a Carolina queria dentro da obra original. Tentar criar uma coisa que eu gostasse de alguma maneira, e tentar criar uma coisa que nesse meio do caminho comunicasse com as pessoas e tivesse um diferencial. Eu acho que a gente, de certa maneira, conseguiu né? E eu estou muito feliz com o resultado do filme.

Vocês tocam em temas polêmicos como pedofilia, pré-julgamentos, ódio nas redes sociais. Você já sente algum retorno do público em relação ao filme?

Eu confesso que a reação do público tem me surpreendido bastante. Não que não acreditasse no alcance do filme, mas eu tinha certo medo que o final tão aberto pudesse frustrar de alguma maneira o público. Na verdade, percebi que as pessoas levam o filme para casa, para mesa do bar, para um jantar. Ele repercute sim! Isso que eu achei muito interessante. Ao mesmo tempo, acho que existe uma contemporaneidade desse tema que juntou com o lançamento do filme, e que são todos esses pré-julgamentos nas redes sociais. Muitas vezes, o deslocamento de uma imagem do seu contexto altera a percepção dela e há toda essa histeria ao redor de alguma coisa que você não sabe nem exatamente o quê é, e que, infelizmente, está acontecendo no Brasil e no mundo.

Eu acho que um filme como esse quando ele entra em circuito, quando ele vai para um festival, ele desperta um interesse muito grande.  Tem um falatório ao redor do filme. É um filme que precisa do público para se completar, e o que eu tenho notado é que o público está finalizando esta história. É muito legal, né?

A gente ganhou o prêmio do público no Festival do Rio, ganhou a mostra de São Paulo como melhor filme de ficção e, agora, a gente para a competição do Festival de Havana. Estivemos no festival de Chicago e vamos para o Mix Brasil. O filme está sendo requisitado para ser visto, ou seja, isso é a melhor coisa que pode acontecer, né?

O que lhe motiva a escrever? O que é ser roteirista? Quando percebeu que era isso que queria fazer?

Esta é uma pergunta difícil, que eu me faço bastante. O que me motiva a escrever? Por que eu sou roteirista? O que é ser roteirista? Inclusive de tanto me fazer essa pergunta, acabei escrevendo um livro chamado ”Palavra de Roteirista” em que fazia essa mesma pergunta que você me fez, a 21 roteiristas brasileiros. Eu fiz esse livro e lancei em 2013. Pensando genuinamente, o que me motiva a escrever é tentar entender um pouco o que acontece dentro de mim e ao meu redor. É tentar traduzir em emoção e ação as coisas que, talvez, eu não consiga traduzir em palavras. É criar os personagens para que eles sejam confusos, para que eles sejam conflituosos, para que eles sejam duvidosos e para que nas suas jornadas, de alguma maneira, eles consigam se revelar, se conhecer, se descobrir, se transformar e fazer isso com o público.

Na verdade, ser roteirista foi um resultado, a escolha. Quando eu percebi que eu queria fazer isso, foi uma escolha. Eu fiz jornalismo primeiro – me formei em jornalismo na PUC no Rio de Janeiro-, comecei a trabalhar como jornalista na televisão e vi que a celeridade, a rapidez com que a gente entrava e saía das histórias na televisão, o fato desse factual ser muito rápido muito veloz, eu não conseguia me aprofundar nas histórias. Aí o jornalismo me frustrou um pouco, por conta disso. Surgiu a oportunidade de migrar um pouco para parte de roteiro, e eu comecei a trabalhar num programa de televisão em que eu lia cartas, e essas cartas foram levadas através de personagens para escrever histórias. Foi quando eu descobri a Escola de Cinema de Cuba. Fui para lá em 2001, tinha 22 anos e fui fazer o curso na especialidade de roteiro.  Passei três anos lá e, ali, entendi que o roteiro era o meu lugar. Eu não conseguia me ver como um diretor, tendo que responder tanta pergunta para tanta gente. Não conseguia me ver como um fotógrafo mexendo em equipamento que não sei dominar, não consegui me ver com o produtor que está sempre atarefado.  Eu me via num lugar um pouco mais solitário, um pouco mais tranquilo, de certa maneira. Os problemas não poderiam estar fora de mim. Acho que os problemas do meu trabalho tinham que estar dentro da minha cabeça, eles que tento resolver todos os dias.

com Manuela Dias e Roberto Vitorino, indicados ao Emmy com a séria Justiça

Como espectador, o que lhe instiga numa narrativa? Poderia falar um pouco sobre as suas influências?

Para eu sair de casa, ir ao cinema pagar R$ 30,00 para assistir um filme, esse filme tem que valer, né? Eu penso isso tanto como espectador, como quando eu escrevo um filme. Gosto de filmes que tem um olhar novo, pelo menos uma perspectiva nova sobre algum tema que eu já conheço. Eu costumo dizer para os meus alunos que todas as histórias já foram contadas. Isso é muito do que eu ouvi. Aí o aluno pergunta “o que eu estou fazendo aqui, se todas as histórias já foram contadas?” Eu costumo responder que é porque falta uma: a sua. Então, de alguma maneira, esse ineditismo, essa criatividade, esse olhar diferente para coisas, nada mais é do que um olhar particular. Que trate de um tema universal, mas que seja particular. Eu venho de formação da escola de cinema de Cuba, onde eu passei três anos estudando roteiro, assistindo cinema, entendendo que era o cinema e as minhas influências são muito diversas. A gente está fazendo agora, o filme aqui em Pelotas, no Rio Grande do Sul. É mais uma direção com Filipe Barbosa. Eu fico, às vezes, percebendo o quanto essas influências estão no trabalho atual que eu estou fazendo. Tem muito do “Anjo Exterminador”, do Luis Buñuel, tem muito de “La Ciénaga”, de Lucrécia Martel, tem muito do “Gritos e sussurros”, do Bergman.

Esse é um filme meio uma colcha de retalhos. Se eu pudesse escolher diretores para trabalhar, para escrever um roteiro para diretores, sem dúvida escolheria os irmãos Dardenne,  que para mim são os cineastas que mais me tocam.

É possível escolher o roteiro que mais gostou de escrever? Quais sãos seus próximos projetos?

Difícil. Acho que não sou capaz de fazer isso não, porque são trabalhos diferentes.  Costumo dizer que, na televisão, eu já cumpro uma cota, nas séries que eu escrevo, de ter que falar com um público maior, de ter que estar preocupado com essa dimensão social também do trabalho. Eu escrevo uma série, sou redator final de uma série chamada “Sob Pressão”, na Globo, e que eu adoro fazer, e que tem sim uma preocupação muito grande não só em entreter, mas em como educar, como mostrar as coisas, como construir um pouco olhar do público sobre alguns temas, pensamentos voltados aos dramas humanos e às doenças.  Então no cinema, eu tento fazer propostas como uma necessidade menor de ter que ter essa apreciação coletiva em massa.

Falando um pouco sobre meus próximos projetos na televisão eu continuo na redação final do Sob Pressão, agora na segunda temporada que estreia no meio do ano. No cinema, eu estou filmando um filme chamado “Domingo”, direção do Felipe Barbosa e da Clara Linhart, aqui em Pelotas no Rio Grande do Sul. Estou filmando paralelamente, ao mesmo tempo, Overgod do Gabriel Mascaro, do Boi Neon e, no início do ano próximo, começo a filmar mais um longa chamado Macabro, do Marcos Prado, baseado numa história real. Então, estes são os meus três próximos projetos em execução.

Você vai a todos os set dos filmes que escreve? Acompanha as filmagens ou está fazendo alguma pesquisa, dirigindo?

Eu não costumava ir no set. Mas um pouco pela boa troca que eu tenho com os diretores, eu tenho ido pelo menos para o começo das filmagens, alguns dias antes para leitura com elenco, adaptação na locação. Fui para o Recife algumas vezes com o Gabriel, vou para o set do Andrucha, fui para o set da Carolina, mas não é estar sempre no set. Eu acho que o roteirista deve ir ao set, quando ele é solicitado. E como eu fui solicitado algumas vezes, eu vou com maior prazer, até porque eu acho que a gente consegue melhorar uma boa cena até o final e, esse final é no set.

Mais sobre o filme em: http://globofilmes.globo.com/filme/aos-teus-olhos/

 

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Entrevista realizada por Melina Guterres, editora Rede Sina e associada a ABRA – Associação Brasileira de Autores Roteiristas,  originalmente publicada em: http://abra.art.br/blog/2017/11/20/aos-teus-olhos-roteiro-premiado-no-festival-do-rio/

 

 

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