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DORA de Luiz Alberto Sanz e Lars Säfström

Quando vi o filme, pensei que deve ser assim que pessoas de outras culturas vivenciam o meio urbano do capitalismo tardio. Mas, ao mesmo tempo, foi minha própria vivência. Fui eu, que vivo em um ambiente semelhante, que vivenciei por alguns breves instantes essa hostilidade contra o ser humano e essa soberba zombeteira. (Karl-Ola Nilsson)

Hoje compartilhamos o filme do nosso colunista Luiz Alberto Barreto Leite Sanz. Saiba mais:

SINOPSE:

O filme reconstitui a trajetória de Maria Auxiliadora Lara Barcelos, de Minas Gerais, onde nasceu, até seu suicídio no exílio em Berlim, três anos antes da Anistia. Dora fazia parte do grupo de 70 revolucionários libertados em 1971 da prisão em troca do Embaixador Suíço Enrico Bucher, capturado pela guerrilha brasileira em dezembro de 1970.
Apresentação e narração de Reinaldo Guarany e Luiz Alberto Sanz; roteiro de Reinaldo Guarany, Luiz Alberto Sanz e Lars Säfström; Fotografia de Staffan Lindkvist; captação de som de Leonardo Céspedes Garreaud; produção executiva de Bettan von Horn; direção de Lars Säfström e Luiz Alberto Sanz; produção de SLS Film och Videoproduktion para TV Suécia Canal 1.

O artigo a seguir foi escrito pelo filósofo, musicista e jornalista Karl-Ola Nilsson, editado originalmente na revista Film&TV nº 17/1978, órgão de Filmcentrum, Estocolmo, Suécia. A publicação coincidiu com o lançamento do filme pela TV Suécia Canal 1, em agosto de 1978.

Quando chegar o momento…
por Karl-Ola Nilsson

Berlim Ocidental, junho de 1976. Uma refugiada política do Brasil, Dora, 31 anos, atira-se debaixo de um trem de metrô e morre.
Por quê?
Reinaldo, o companheiro de Dora durante seus últimos anos, e seu amigo Luiz procuram a resposta. Viajam pela França e a Alemanha e encontram amigos, seus e de Dora. Visitam lugares onde ela morou. Escolas em que estudou. Vasculham cartas e anotações. Assistem documentários em que Dora participou.
Desenvolve-se, assim, a imagem e o destino de uma pessoa. No entanto, Quando chegar o momento… não trata apenas de Dora, mas também das vidas de outros milhares de refugiados políticos. Na Alemanha Ocidental, na França, na Suécia e pela Europa afora.
Essas vidas não se permitem reconhecer sem que as sociedades que deixaram e para onde vieram sejam minuciosamente descritas. O que também acontece. Por isso, Quando chegar o momento se tornou um pedaço da História Contemporânea de dois continentes, separados por um oceano, mas unidos por laços econômicos.
Eu gosto muito deste filme que me deu uma série de empurrões para diante, emocionais e cognitivos. Uma sequência central é quando Reinaldo e Luiz viajam através da Alemanha. Discutem a situação política no Brasil. Pela janela do vagão vê-se a fumaça das chaminés. Desfilam quilômetros e quilômetros de áreas industriais. Eles viajam à sombra do “milagre alemão” com suas fábricas-modelo e cidades blindadas. E falam sobre o Brasil.
A cena desnuda uma parte do estranhamento, que é o dos exilados, de ter suas aflições políticas despejadas em um país completamente outro, em uma parte do mundo totalmente diferente da sua. Mas, ao mesmo tempo, esta sequência levou meus pensamentos para a ligação entre a República Federal Alemã e o Brasil.
Não se fala também do milagre brasileiro? Claro. O Brasil experimentou durante o final dos anos 60 e começo dos setenta um enorme crescimento na economia. Na base da expansão estavam capitais de EUA, Alemanha Ocidental, Japão, Suécia e outros estados capitalistas. O capital era atraído por condições propícias.
Quem teve que pagar a expansão foram os trabalhadores brasileiros.
O preço foram salários reduzidos, ritmo de trabalho acelerado, sindicatos esmagados, repressão política e tortura. A exploração foi tão brutal que só podia ser executada por um regime violento. Em 1964, uma junta militar derrubou o presidente progressista Goulart. Era o prólogo para o chamado milagre econômico brasileiro.
Foi sob tais circunstâncias que Dora, Luiz e Reinaldo foram presos em 1969. Foram também essas condições que os obrigaram a partir para o exílio.
Em 1970 , foram enviados ao Chile em troca da libertação de um prisioneiro capturado pela guerrilha urbana.
O período no Chile tornou-se agitadíssimo para Dora, preenchido com os estudos e o trabalho entre os proletários das favelas. Uma pausa para respiração, mas curta. Tão curta quanto o Governo Allende.
No outono de 1973 os valetes da burguesia chilena e do imperialismo deram o golpe. Mais um país latino-americano militarizou-se e o imperialismo fortaleceu seu controle sobre a economia do continente.
Dora, Luiz, Reinaldo e outros milhares voltaram a fugir. Dessa vez para a Europa. Fugindo daqueles que ganham com a opressão – a burguesia nos países latino-americanos e o capital, entre outros, dos EUA e da Alemanha Ocidental. (Em 1074 os alemães ocidentais aumentaram seus investimentos no Brasil para 586 milhões de dólares, o que equivale a 11,4% dos investimentos estrangeiros.)
Contra esse pano de fundo, a conversa entre Reinaldo e Luiz sobre a situação no Brasil se torna altamente relevante quando acontece em meio à realidade do capitalismo alemão. Justamente quando o trem passa diante de uma grande siderúrgica com grandes investimentos no Brasil.
Contra esse pano de fundo fica também compreensível porque Dora foi constantemente atormentada pela Polícia e as autoridades alemãs.
Sua liberdade de movimentos foi fortemente reduzida. Durante um período foi obrigada a apresentar-se à polícia três vezes por dia. Seus estudos de alemão tiveram que ser interrompidos. Dessa maneira foram combatidas suas tentativas para adequar-se à sociedade alemã.
Mas policiais e burocratas não foram os únicos obstáculos. Existiam em muitos planos – o espaço urbano, a convivência social, as atitudes dos colegas de estudos. A frieza, o isolamento, a soberba e a humilhação nos ambientes em que Dora foi forçada a viver são sensível e expressivamente capturados em QUANDO CHEGAR O MOMENTO.
Quando vi o filme, pensei que deve ser assim que pessoas de outras culturas vivenciam o meio urbano do capitalismo tardio. Mas, ao mesmo tempo, foi minha própria vivência. Fui eu, que vivo em um ambiente semelhante, que vivenciei por alguns breves instantes essa hostilidade contra o ser humano e essa soberba zombeteira.
O conteúdo e a forma do cinema progressista têm sido discutidos em Film&TV nos últimos tempos. Diferente debatedores manifestaram que as tomadas de posição, experiências e conhecimentos dos próprios cineastas devem mostrar-se nos filmes.

ROTEIRISTA, DIRETOR:

LUIZ ALBERTO SANZ (LUIZ ALBERTO BARRETO LEITE SANZ)

Pesquisador independente em Educação, Comunicação Social e Artes do Espetáculo. Professor 13045540_10202122227494484_233987780_nTitular aposentado da Universidade Federal Fluminense. Foi coordenador editorial da revista libertária “letra livre”, é colaborador da “Revista da Educação Pública” (eletrônica) da Secretaria Estadual de Ciência e Tecnologia do Estado do Rio de Janeiro e membro fundador da Associação Brasileira de Pesquisa e Pós-Graduação em Artes Cênicas (ABRACE). Foi, em sua vida profissional, jornalista, cineasta, educador, diretor de espetáculos, técnico cinematográfico e estivador. Exerceu suas funções em Brasil, Chile, Suécia e República da Guiné (nesta, como consultor da UNESCO na área de Comunicação em Matéria de Educação). No Jornalismo, passou por quase todas as funções, mas destacou-se sobretudo como critico teatral (Jornal do Commercio – RJ e Última Hora) e cinematográfico (Última Hora e Rádio MEC), repórter e comentarista cultural e político (Letra Livre, Revista da Educação Pública, Jorna1 de Brasília e Rádio MEC). Na vida sindical, foi Secretário- geral e Presidente do Sindicato de Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diverão do Estado do Rio de Janeiro, na gestão 1981/1984 e, como representante do SATEDERJ, membro da Executiva lntersindical do Rio de Janeiro (1981/1984) e da Executiva do Conselho Nacional das Classes Trabalhadoras – CONCLAT (1983-1984). Como administrador cultural, foi Diretor do Centro Nacional de Rádio Educativo Roquette- Pinto/Rádios MEC (1994); Superintendente Cultural da Embrafilme (1983/1984); membro do Conselho Diretor (1977-1978) e Secretário de Informação (1978-1979) de FilmCentrum (cooperativa de cineastas independentes e animadores cinematográficos), Suécia.

OBRAS PRINCIPAIS / LIVROS: “Procedimentos metodológicos: Fazendo caminhos”. Rio de Janeiro: Senac Nacional, 2003; “Dramaturgia da Informação Radiofônica”. Rio de Janeiro: Editora Gama Filho, 1999; FILMES: “Soldado de Deus”, de Sergio Sanz. (Pesquisador e co-roteirista). Rio de Janeiro: J. Sanz, 2004. “Carnaval: Tradição, beleza e trabalho” (criador e co-roteirista, em parceria com Valéria Campelo, da série de cinco documentários). Rio de Janeiro: Senac Nacional, 1999. “No es hora de llorar/Não é hora de chorar” (parceria com Pedro Chaskel). Santiago do Chile: Universidade do Chile, 1971. [Premiado com a Pomba de Ouro no Festival de Leipzig de 1971; “Kommunicerande karl/Vasos comunicantes” (parceria com Lars Säfström). Estocolmo: Instituto de Cinema da Suécia, 1981. [Premiado com a Menção Honrosa no Festival de Leipzig de 1983] ESPETÁCULOS: “O Amor e seus duplos” (orientador e roteirista). Rio: Cia. Helenita Sá Earp/UFRJ, 2001; “Aline, Luli e Lucinha” (Diretor). Rio de Janeiro: Funarte, l981; “Filo porque qui-lo”, de Aldir Blanc, Gugu Olimecha, Maurício Tapajós e Fátima Valença (Diretor). Rio de Janeiro: Saci Produções, 1971. RADIO: “Tião Parada, o Rei da estrada” (co-criação do projeto, em parceria com Luciana Medeiros e Rosa Amanda Strausz da série dramática infantil e roteirização de alguns). Rio de Janeiro: IBASE/Rádio MEC, 1996. “Verso e Reverso – 2ª fase” (Produção e Criação da Série de 12 programas, e roteirização de dez). Rio de Janeiro: Rádio MEC/Educar, 1990.

 

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