“[…] eu ia ficar pra sempre e até o fim do mundo assim pequeno, pequeno monstro nojento, diferente de todas as outras pessoas, todo mundo rindo baixinho, falando coisas quando eu passava.” (CAIO FERNANDO ABREU, Pequeno monstro)
O ano era 2006 e eu tinha 18 anos. Já havia concluído o Ensino Médio e estava passando por uma fase super complicada da minha vida. Hoje, sei tratar-se de depressão. Morava, em uma cidadezinha de menos de três mil habitantes, no norte do estado do Rio Grande do Sul, e era tido como o “bichinho da goiaba” de tal lugarejo chamado Vista Alegre, justamente por não ter pensamentos e comportamentos convencionais que me ligassem a alguma estrutura cultural de lá.
Então, em um sábado preguiçoso pós-almoço, assistindo a um programa da RBS TV, chamado Curtas gaúchos (muito do que apreendia em termos culturais vinha justamente da televisão; internet era raridade por lá), encantei-me pelo curta que “passou” naquele dia.
O curta chamava-se Sargento Garcia, inspirado no conto homônimo do escritor Caio Fernando Abreu. Nunca havia ouvido falar dele, nem na escola, nem mesmo nos meus estudos autodidatas em livros a que tinha acesso. Procurei livros do Caio F., em bibliotecas da minha cidade, e não encontrei nada.
Mais uma vez, a mesma lan house de uma outra situação literária vivida por mim, salvou-me. Ela foi a ponte para eu conhecer a literatura e a vida do escritor a que me dedico escrever neste momento. Esse cara fascinante que mudaria e que mudou a minha vida tal qual um renascimento de Fênix.
O primeiro conto que encontrei dele, na internet, foi Pequeno monstro. Imprimi-o e fui correndo para o meu quarto para lê-lo. Realmente aquele cara estava falando sobre mim. Vi-me, nas páginas daquele texto, tanto em temática quanto em linguagem. Vi, em tal conto, a minha raiva, a minha contestação, o meu deslocamento, o meu “estrangeirismo” e, sobretudo, a minha inadaptação ao mundo que estava diante dos meus olhos na possibilidade daquela cidadela.
Desde então, nunca mais parei de ler o Caiozinho (apelido carinhoso que dei a ele). Tenho quase todos os livros dele. Tenho as biografias sobre ele. Tenho recortes de jornais. Tenho até fotografias da sua coleção de galinhas (as benditas frangas do Caio). Tenho testemunhos de quem viveu com ele. Inclusive, sou amigo virtual de Claudia, sua irmã. Fui conhecido nas Letras da UFSM como o tiete do Caio. Infelizmente, o Caiozinho não está mais fisicamente entre nós, mas ELE VIVE em mim e em muitos.
A cada vez que revisito um texto seu (como nos últimos dias), continuo a me achar a personagem protagonista de Pequeno monstro. Sim, eu continuo sendo aquele mesmo pequeno monstro que a cidadezinha me via. Inadequado, mambembe…
Se me perguntarem o porquê da obra e da vida de Caio Fernando Abreu me fascinarem tanto, poderia dar milhões de explicações, inclusive teóricas devido à minha formação acadêmica, mas prefiro a mais sincera e que brota do coração: porque ele foi e porque sua obra é, essencialmente humana. A literatura de Caio é um abraço dado às identidades desviantes.
E, assim, a cada aula de Literatura dada por mim, o Caio conquista mais leitores, por tratar do humano e dos seus desdobramentos em uma sociedade “doente”. De fato, como professor, tenho descoberto ao longo dos anos que: todos somos pequenos monstros.
Para ler o conto Pequeno monstro, acesse: https://semamorsoaloucura.blogspot.com/2006/12/pequeno-monstro.html
Para assistir ao curta Sargento Garcia, acesse: https://portacurtas.org.br/filme/?name=sargento_garcia
FELIPE FREITAG é graduado em Letras Português e respectivas literaturas (licenciatura) pela UFSM e é mestre em Estudos Linguísticos pela mesma instituição. Professor a mais de dez anos, dedica-se, também, à escrita literária. Foi um dos agraciados com o Prêmio Lila Ripoll de poesia, da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, no ano de 2007.