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BIP BIP – O PEQUENO GRANDE BAR

(Em memória do Alfredinho que faleceu nesse sábado de carnaval, 2 de março de 2019.)

Melina Guterres, jornalista e editora da Rede Sina

Eu sempre quis escrever sobre aquele bar, era uma recém formada em jornalismo quando pisei lá em 2009. Ele já tinha história, desde os tempos de ditadura. Há livros e reportagens publicadas em jornais nacionais e internacionais. Eu era minúscula diante dele. Tinha consciência da minha pouca experiência de vida para me atrever a escrever sobre. Aprendi com a profissão, que é preciso muito escutar.
Sentei-me na quarta, na quinta, no domingo. Toda semana por muito tempo eu estava lá. Alfredinho já acariciava a Flor (minha cocker), seu Leal, com seu sorriso largo, estendia uma cadeira pra mim, a Regina, era boa em ajudar com as finanças. O bar era pequeno, não tinha funcionários, todos que colaboravam eram amigos. Logo a música começava, os instrumentos estavam lá pra quem quisesse tocar, a bebida também. Pagar por ela era uma questão de consciência. Nunca vi Alfredinho cobrar. Você pega a bebida, fala pra ele, que anotava em seus caderno e antes de ir embora, você pagava por ela.
Conversa só antes dos músicos começarem a tocar, palmas nem pensar, só estalar de dedos. Quando os desavisados chegavam falando alto, Alfredinho parava tudo, levantava e fazia seu conhecido discurso, pra alguns parecia rabugento, para outros poderoso. Alfredo exigia respeito aos músicos. “Quer conversar vai pra outro bar”. Assim também Alfredo selecionava muito bem seu público, não tinha como ir ao Bip Bip sem ao menos ter uma troca interessante com alguém e com os frequentadores mais assíduos uma relação que soa quase como familiar.
Os meus 27 anos eu comemorei lá. Ainda lembro como se fosse hoje os músicos cantando e tocando “Retalhos de Cetim”. Levei diversos amigos várias vezes ao bar e inclusive meus pais que trocaram ideias sobre cultura e política com o Alfredo.

A foto é 2017, numa das idas ao Rio, cumprindo a promessa de sempre voltar lá.

Talvez a gente precise falar mais sobre essas relações que se formam, nos conectam em bares, lugares e sem sequer uma troca de telefone. Embora, eu tenha ligado para o bar só pra dar um oi certa vez, inclusive pensei em fazer isso uns dias antes de saber da notícia do falecimento do Alfredo, o mais importante é sempre estar presente. Quando estava deixando o Rio de Janeiro, em 2012, Alfredinho me perguntou:
– Vai embora pra sempre gaúcha?
Prometi voltar sempre que voltasse ao Rio e assim o fiz, achava que ele pudesse ter esquecido de mim, mas não, e ainda perguntava ” Voltou pra ficar, gaúcha?”.

É difícil contar uma história quando se começa a fazer parte dela.

Mas algumas das que vi e ouvi lá me inspiraram a escrever o roteiro de um longa que precisava entregar para o Programa Ibermedia. O Bip Bip sempre foi um bar de resistência política e cultural, não só contra ditadura, mas contra todo um sistema que mais nos individualiza que humaniza. Quem teve a sorte de acompanhar as conversas que aconteciam em dia que não tinha música ou antes dela começar sabe bem como o Alfredo e sua turma se posicionavam e também dos frequentadores que sofreram na ditadura. Nunca vou esquecer de uma senhora que me contou que foi presa e torturada junto com o pai e irmão. Tem histórias que os livros não contam, tem histórias que as pessoas só conseguem contar sentadas numa mesa de bar. Ouvi muitas.

Além disso, na tragédia de Angra, havia mobilização para ajudar famílias, Alfredinho sempre fazia alguma campanha social para ajudar quem precisasse por lá. O bar vivia cheio de voluntários. No ano passado, ao prestar homenagem a Marielle Franco, um policial causou tumulto detendo Alfredinho. Os cariocas se revoltaram, diversas pessoas foram solidárias. Chico Buarque e outros artistas foram até o bar. Acompanhei de longe e revoltada.

Não consigo nem imaginar o desgosto do Alfredo diante dessa situação do Brasil hoje e dessa gente que não mede o que diz. Soube por vizinhos, que ele faleceu do coração no sofá, o elevador do prédio travou 45 min com o corpo dentro. Parece o Rio de Janeiro dizendo: Alfredo, não se vá!
Mas ele foi em dia de samba, o qual tanto reverenciou e respeitou. O bar, a praça lotaram o homenageando.

A perda é física, mas o sentido de alguém que construiu e conseguiu transformar 18 metros quadrados chamado de bar em uma maneira ainda que aparentemente rabugenta de AMAR, não se apagará.

Duvido que não tenha lá no céu bares como o que o Alfredo fez por cá. Seu Leal já deve ter puxado a cadeira pra Alfredinho, Regina já deve tá com os braços abertos e a vida deve ta linda por lá porque o show de quem proporciona a arte também tem que continuar…

Obrigada Alfredo! Um dia eu ei de nesse céu te reencontrar!

Um breve registro que fiz do Bip Bip ainda em 2009.

 

Fotos retiradas de BIP BIP

 

Foto de capa retirada de: blog do Esmael

Notícia da morte no O Globo

Notícia sobre tumulto com policial no bar em UOL

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