A Imaterialidade e o Estofo Filosófico Aquiniano na Obra de Jorge Ben Jor* por NATÁLIA PARREIRAS

Da natureza deste recorte Seria um paradoxo não fosse um traço tão característico: Em um país de tamanha miscigenação, seu identitário repercute de modo singular na produção cultural de seu povo, em sua elaboração de sentidos. Somos a massa híbrida de liga generosa, e que reveste o drama de eterna esperança, posto que se crê na possibilidade contínua desde o berço da mãe gentil. Mas – e há que se dizer – somos muito além desse gracejo tropical e contundente de curvas e crenças, da já emblemática malemolência de quadris: Somos enredo swingado, mas o samba no pé é apenas mais uma das tantas metáforas de ser e sobreviver do brasileiro. E é sendo brasileiro, latino-americano, criatura de fé e ser humano, que Jorge Ben Jor abranda a mitificação do homem-farelo, e dá um basta às migalhas porque as incorpora como pedaços legítimos, íntegros, insubstituíveis, de si e do mundo que o habita. Enquanto artista, sua consciência primordial prescinde a suposta objetividade de suas marcas de autoria: Seus passos remontam a sinuosidade de um percurso próprio que, uma vez tocado de trato universal, então é aclamado popular. Mas como não erradicar de sua própria essência os contornos que conferem a ele o status pop, sem que a obsessão tediosa – e tantas vezes injusta – dos puristas diminua sua obra a um mero retrato de uma país tropical? Será a nossa necessidade de classificar tudo um recurso criado para a otimização do fluxo de informações e confluências, ou, muitas vezes, uma tentativa de des-caracterizar o que não corresponde à forma tida como normativa e aceitável? A forma define o poder de propagação do fazer artístico? Pode o erudito ser um uso do popular e vice e versa? Em “Assim falou Santo Tomaz de Aquino” (1975) canção gravada no mesmo disco que lançou o clássico de fé Benjoriano e universal “Jorge da Capadócia, o artista já apontava com clareza para uma máxima que se repete ao longo de toda sua obra: “Deus não é uma medida proporcionada ou medido/ Por isso não é necessário que esteja contido/ No mesmo gênero da criatura”. Foi da latência de questões como essas que se talhou a reflexão acerca do objeto de estudo deste trabalho: A obra de Jorge Ben Jor aclamada há décadas no Brasil e no mundo, e a intersecção geratriz da base filosófica do artista: A obra do filósofo São Tomás de Aquino. O Encontro do Som com a Potência Razão e Prudência: Os dois pilares da obra de São Tomas de Aquino, célebre discípulo do pensador Alberto Magno, se tornariam a base ideográfica do ex-seminarista Jorge Duílio de Menezes, carioca nascido em Madureira e que desde os tempos de coroinha encontrara na enunciação da palavra, a ordem e a liberdade que seriam fundamentais para criar o estilo de música que faria tremer a levada tida como nossa: Agora o Samba, de esquema novo, era dele. A seguir serão apresentados trechos de suas produções artísticas de diferentes décadas em consonância com os ideais filosóficos Aquinianos. Intersecções Muito se fala sobre a presença dos elementos místicos da Alquimia na obra de JBJ: Flamel e Paracelso são enunciados em canções como “O namorado da viúva” e “O homem da gravata florida”, respectivamente, ou notadamente no clássico “Os Alquimistas estão chegando”, todos os sucessos do emblemático LP Tábua de Esmeralda, gravado em 1974. Entretanto, as conexões entre as criações Benjorianas e o universo metafísico começam muito antes dos séculos XIV e XV, mais precisamente com as escrituras do século XIII e a elaboração da Aurora Consurgens, de São Tomás de Aquino que, ainda que não trate diretamente a respeito da Alquimia, enumera postulados ligados a este conceito, uma vez que valoriza a Matéria. Mas o interesse de Ben Jor pelo legado do religioso italiano extrapola os estudos que serviriam de base para alquimistas das mais variadas gerações. Ele versa, sobretudo, acerca do estofo filosófico das máximas Aquinianas: Do princípio de equidade entre todas as criaturas perante a Deus ou ao Ato Puro, sejam elas seres humanos, animais ou plantas – até a noção da ausência de uma forma DEFINIDA para o que se entende como FORCA CRIADORA DE TUDO. A máxima de São Tomás prevê estas duas ressonâncias distintas no universo: O ato, forma variável de tudo o que tem potência posto que existe; e a potência, referencial do intangível que paradoxalmente guia a busca espiritual de todos os seres aventurados de existência. Não seria leviano, portanto, apreender que, tal como a Escolástica inaugurou um modelo de ensino ao propor que os alunos fossem incitados à elaboração de conceitos pertinentes ao seu repertório e percepção próprios de mundo, ao invés da mera repetição do que lhes era dito pelos padres em salas de aula; que a veia central da obra do artista seja o que se pode chamar de Não-Ode ao Determinismo: A forma assumida por uma criatura, seu ato, não define seu potencial, apenas repercute o diálogo entre as suas múltiplas instâncias no campo da matéria presente, a salvo seu caráter intrínseco de superação, que dialoga tão somente com o que lhe separa da potência. Se para São Tomás de Aquino “A humildade é o primeiro degrau para a sabedoria”, para Jorge Ben Jor é o primeiro drible da jogada brilhante de “Fio Maravilha” (1972) “que só não entrou com bola e tudo porque teve humildade em gol”. Em “Negro é Lindo”, canção homônima ao LP lançado em 1971, demarca-se claramente a evocação à própria potência e ao Ato Puro – Deus – que surge ladeado nos versos de um ser consciente de sua existência ou ato em forma de criatura, exercendo sua inteligência sensível, consciente de sua limitação e prezando por máximas cristãs como a compaixão: “Eu só quero que Deus me ajude/ A ver meu filho/ Nascer e crescer/ E ser um campeão/ Sem prejudicar/ Ninguém.”. A mesma súplica aparece em “Domenica”, quando o Poeta novamente evoca a potência para agir na transformação de seu ato, enquanto criatura que tanto deseja, … Continue lendo A Imaterialidade e o Estofo Filosófico Aquiniano na Obra de Jorge Ben Jor* por NATÁLIA PARREIRAS