Leonardo Martinelli é formado em roteiro no Rio de Janeiro, produz filmes e obras literárias desde jovem. Já publicou um livro e teve diversos curta-metragens exibidos em festivais internacionais. Seu filme ‘Vidas Cinzas’ foi selecionado em mais de cinquenta festivais e premiado no Brasil, África, Europa. Ele foi o vencedor do I Prêmio Rede Sina no Rota Festival Audiovisual no Rio de Janeiro, onde também foi contemplado pelo juri oficial do festival.
Vidas Cinzas é um falso documentário sobre a atual crise social, política e econômica no Brasil, onde o governo corta as cores do Rio de Janeiro, deixando a cidade em preto e branco.
Confira a entrevista com o diretor:
REDE SINA – Como surgiu seu interesse pelo cinema?
LEONARDO MARTINELLI – Desde pequeno sempre fui muito interessado por filmes, especialmente por estímulo de minha mãe, que me levava muito ao cinema. A ideia de transpassar sentimentos através dessa conjuntura de imagem e som foi algo que mexeu com minha cabeça. Quando devia ter em volta de uns onze anos, minha mãe me me levou para assistir uma reprise de Forrest Gump, de Robert Zemeckis. O filme me impressionou bastante enquanto criança e me fez desejar poder contar histórias daquela forma. Apesar de minhas referências e influências hoje terem se distanciado bastante desse tipo de obra, ainda é um filme que guardo com carinho por ter sido introdutório para mim na possibilidade de pensar cinema.
REDE SINA – Quais são suas referências no Brasil e exterior?
Dos cineastas brasileiros contemporâneos, tenho como referência Kleber Mendonça Filho, Petra Costa e Jorge Furtado. Tanto os longas quanto os curtas destes realizadores foram bem importantes para minha formação. No exterior, Chris Marker e Michael Haneke são autores de trabalhos que me interessam bastante quanto a suas analises sobre a condição humana.
REDE SINA – Como roteirista e diretor o que é importante na construção de uma narrativa e olhar? Como busca se aprimorar? Com que gênero prefere trabalhar?
Acredito que todo bom filme deve expressar não só uma visão de mundo (e por consequência uma análise da condição humana) mas também uma visão sobre o próprio cinema. Refletir a mídia escolhida e suas implicações nas possibilidades de linguagem dela como um autor, tanto no sentido do roteiro quanto da direção. Uma forma de aprimorar esse olhar crítico sobre a forma é na busca constante sobre conhecimento e familiarização com o cinema em si e com as linguagens artísticas antecedentes dele.
REDE SINA – Como surgiu a ideia do curta Vidas Cinzas?
A ideia de Vidas Cinzas surgiu enquanto refletia sobre a ascensão do estado de austeridade do Rio de Janeiro, pensando originalmente num viés de filme-ensaio. Majoritariamente inspirado por La Jetée e Recife Frio, tentamos aplicar essa reflexão da forma do filme como um espelho da linguagem de sua própria mensagem.
REDE SINA – Quais foram as dificuldades que houveram nesta produção?
O filme foi feito sem nenhum orçamento ou incentivo de terceiros. Deste forma houve bastante dificuldade no cotidiano da produção, num sentido de que tudo haveria de ser custeado pelo próprio bolso. Por consequência desse cenário, tivemos uma equipe bem reduzida e equipamentos modestos. Todavia, pela dedicação imensa desse pequeno time, conseguimos completar o trabalho mesmo em condições escassas. O contato para realizar tantas entrevistas foi de um trabalho de produção e pesquisa bem exaustivo. Assim como filmar as cenas de repressão policial, onde nos colocamos lado a lado dos protestantes, assim adentrando a narrativa real e metafórica de resistência que o filme propõe.
REDE SINA – Qual foi sua intenção ao realizar esse filme? Como tem sido a reação do público? Atende a expectativa que você queria?
A reação do público vem sendo bem calorosa. Apesar de ser um filme bem divisivo, a porção das pessoas que gostam do trabalho se identificam bastante com a luta diária por direitos humanos e sociais que o filme busca tratar.
REDE SINA – Quais seus próximos projetos? planos?
Nosso próximo filme ‘Lembra’ está com sua estreia mundial marcada para o Festival do Rio deste ano. Além dele, nosso editor Pedro de Aquino está em pré-produção de seu primeiro curta como diretor, ‘Sereno’, que tem previsão para lançamento em 2019. Estou com um novo projeto de ficção e um documentário, os quais tentarei realizar ano que vem.
REDE SINA – No seu filme você mostra um olhar crítico a questões políticos-sociais, você como cidadão e artista se preocupa como vê a atual conjuntura política do Brasil?
Acredito que todo brasileiro está preocupado co o futuro de nosso país, seja por uma razão ou outra. Inevitavelmente há um clima de medo pela possível ascensão de um governo anti-democrático. Historicamente, o candidato B apresenta todas as características de um possível fascista. Seus eleitores estão cegos por uma camada de notícias falsas e sensacionalistas, e levados pelo desespero da recessão econômica. Em sua maioria, não são pessoas más, só desinformadas e relutantes em aceitarem qualquer interferência externa a sua própria perspectiva. Tentamos dialogar com estes temas para uma conscientização político-social em nosso trabalho.
REDE SINA – Nina Simone dizia “é uma obrigação artística refletir o meu tempo”, como a arte e o ativismo social se tornam parte de você?
A arte, especialmente nesses tempos de turbulência, é intrinsecamente política em seus discursos. Tento fazer um reflexão sobre nossa conjuntura social-política em nossos trabalhos. Não só é uma obrigação, mas uma necessidade. Assim geramos registros, quase arqueológicos, que reflitam as discussões contemporâneas a nós.
REDE SINA – Qual sua sina?
Tentar tratar através da linguagem cinematográfica um reflexo do que a luz reflete e deixa de refletir em nossos tempos.
Vidas Cinzas (2017, 15min)
Um falso documentário sobre a atual crise social, política e econômica no Brasil, onde o governo corta as cores do Rio de Janeiro, deixando a cidade em preto e branco.
Ficha técnica:
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