10 POEMAS DE VITOR BIASOLI

  Sonhos de Grécia e de Roma Estar diante da noite e interrogar o desenho das sombras. Estar diante da noite e recuperar o passado. Se o território da infância é o que importa, procuremos o menino, o menino que um dia nós fomos. Ele é frágil, tem olhos arregalados. Um dia quis aplacar as feras – o pai, a mãe; o bem e o mal – e não teve grande sucesso. O menino era frágil e teve fantasias heroicas. Imaginou-se Aquiles, Leônidas, o último dos irmãos Coriáceo e se deu mal. Estar diante da noite e encontrar o menino. Como sofreu o guri! Estar diante da noite, diante dos olhos do menino, e por fim compreender: se a infância é o território que importa, não escorraçar o menino. Aceitar seus sonhos de Grécia e de Roma e forjar nova lança, novo escudo. – Menino, o mundo sempre foi muito maior do que nós. vamos aprender nossa medida. Mas nem por isso esqueçamos Aquiles, Leônidas e os irmãos Coriáceo. Estar diante da noite e encontrar o menino. Se a infância é o território que importa, reinventar os sonhos de Grécia e de Roma. Estou diante do menino Estou diante do menino que eu fui e acho graça do guri. Como sofreu o pirralho! A culpa lanhou o seu lombo e desde então ele semeia com sementes de dor. Pobre pirralho, pobre homem adulto! O trigo que colhe deste então só serviu para pão ruim. Estou diante do menino e acho graça do guri. Vamos revolver a terra, digo para o pirralho, e fazer novo plantio Com sementes de reparação. É uma peste esse menino. Nunca serviu pra grande coisa, mas acho graça do fedelho. Infância reordenada Calou-se o vento e se fez silêncio na tarde Ao cruzar os trilhos do trem só encontrei o eco das locomotivas e sua sofrida lembrança: ferro e fogo dentro de mim ferro e fogo dentro de mim O território da infância enfim um mar de bonança Engolidas as chamas que queimavam e calado o vento que ardia Apenas o eco distante do ferro e fogo das locomotivas Aprendizagem Aprendi que a alegria é uma mentira o corpo, uma arapuca e que o mar avança sobre a praia engolindo pedra e areia. Por isso é com desconfiança que me entrego ao ritmo dos dias torço a boca para a alegria e às vezes contenho o gesto no ar. Diante do mar (no sul da Espanha) Estamos diante do mar e mergulhas em profunda reflexão. Que ponto é esse, no horizonte distante, que fisga teus olhos? Que mouros são esses que te roubam de mim? Estamos diante do mar e caminhas pela calçada da praia, os olhos fugindo em direção ao mar profundo. Estamos diante do mar, estamos diante de nós mesmos. O mesmo mar nos fascina e só vejo antigas velas mouras, que ainda buscam dominar as primitivas terras de Espanha. O mesmo mar nos fascina e ele conquista teus olhos, teus ouvidos, e parece de te falar de silêncios e ausências dolorosos. Parece, eu imagino, pois não dizes uma única palavra. Estamos diante do mar e tu te recolhes a tua concha, ao hotel, enquanto eu sigo pela beira da praia na direção de um castelo, antiga fortaleza sarracena duramente conquistada pelos cristãos, lugar de memória da Reconquista, dos companheiros de El Cid. Estamos diante do mar, estamos diante de nós mesmos. Felicidade Proclamo que sou feliz sem explicar coisa nenhuma. Minha alegria é teu corpo, tuas pernas diante de mim. e um horizonte que se descortina intuído pelo meu desejo. Proclamo minha alegria e tudo mais é indecifrável. (2002) Um naco de céu Poderia no oceano estúpido das cidades com suas ruas e prédios organizados com suas vozes e movimentos disciplinados Poderia, posso, saberia continuar vivendo satisfeito mesmo que pouco mais acontecesse de vento, algas e amores mesmo que tudo continuasse ordenado limpo estandartizado Poderia, posso, saberia pois a vida me tomou de tal jeito e o sangue e a memória pulsam com tal intensidade que o oceano estúpido das cidades (ora, as cidades!) pouco importam quando abocanho um naco do céu 2000 Sacrifício Me encontro no punhal erguido que se ergue pra rasgar meu corpo de menino Ali onde existe um corpo gemendo ali onde um corpo se revolve na dor É nesse o lugar que me encontro é aí que me calo ……………………………………………………………….. Abraão subiu a montanha para sacrificar o filho e foi aí que nasci quando a faca se ergueu no ar e o anjo a conteve Fechei os olhos e súbito percebi que não havia sangue jorrando de mim O anjo segurava o braço do Pai o anjo continha o braço do Pai No altar do sacrifício enxerguei o Pai, a imensidão de Céu e juntos fomos buscar o cordeiro que o anjo indicara Sangramos o animal e senti meu corpo salvo enfim liberto para a vida ………………………………………………………………. Diante da faca que se ergueu no ar tremi de raiva, dor e humilhação E depois nasci em desconcertante festa de alegria Onde está a dor me encontro Onde está a dor me construo 2016 Dois poemas da Andaluzia Na beira mar Diante do mar, em terra de Espanha, mergulhas em silêncio ensimesmado. Que ponto é esse, no horizonte, que fisga teus olhos? Que mouros são esses que te roubam de mim? Estamos diante do mar, caminhamos na areia da praia, e teus olhos mergulham no mar profundo, enquanto eu vejo antigas velas mouras que ainda buscam dominar as terras de Espanha. Não dizes palavra alguma e eu imagino, apenas imagino, sinto emanar do teu corpo, que acaricias sussurros e lamentos, e delineias ausências no horizonte. Teus olhos e teu corpo se recolhem em concha e eu sigo na direção de um castelo, antiga fortaleza sarracena duramente conquistada por cristãos, lugar de memória da Reconquista. Estamos diante do mar, diante de nós mesmos, um mar que nos engolfa e fascina, e que eu preencho com imaginação, sem saber o contorno … Continue lendo 10 POEMAS DE VITOR BIASOLI