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10 POEMAS DE ALEXANDRE PAULINO

Os Eus


Dentro de mim.

No âmago do meu ser
Habitam tantos outros.
Tantos, tantos, tantos
Outros eus…

Tantos que juntos
Mal somos nós,
Caminhamos a esmo
E nos esbarramos
E nos entrelaçamos
E neste emaranhado que somos nós
Mal cabemos em nós.

Por vezes nos entreolhamos
E, encaramos a nós mesmos
E, em busca de respostas
A perguntas inauditas
Nos perdemos de nós.

Somos tantos neste infinito,
Somos muitos neste oceano de nós,
Somos vários lados a lado
Que somados somos um.

Nota: Poema participou do Projeto “Série Poemas e Contos Ilustrados” contemplado pelo edital FAC Digital RS da artista multimídia Daiane Irschlinger.

“Temer”

Temo temer que o povo tema
O temer que venha do Planalto Central.
Temo temer que o povo tema
O temer que venha do Planalto Central.

Vivemos numa época insana
De pessoas insanas,
De pessoas insensatas,
Do temer insano,
Do temer insensato.

Tempos em que na calada noite
Temerários operários do temer
Com canetas não caladas calam sonhos,
Com borrachas borram botões de flores.

Temo temer que o temor do temer
Que venha do Planalto Central
Cala a boca do provo,
Cale o choro da fome,
Fome de coragem,
Coragem que expurgue,
Expurgue o temer,
Temer que venha do Planalto Central.

Vivemos momentos de transe,
Vivemos momentâneos momentos de temer,
De temer que o temer
Que venha do Planalto Central
Coloque em transe os transtornados trabalhadores,
Transtornados de que o temer
Arranque-lhes o direito,
O direito de viver,
De sonhar,
De amar.
Os transformem em trabalhadores,
Trabalhadores autômatos descartáveis.

Não devemos temer o temer
Que venha do Planalto Central,
Não devemos nos calar,
Devemos nos abraçar,
Devemos em coro lançar
Pelas ruas o grito que enlace
Todos os viventes
Para que juntos entoemos:
Fora o medo,
Fora o transe,
Fora o temer,
Fora temer.

Publicado: Antologia Sarau da Paulista, página 94, Editora Patuá, 2019, São Paulo/SP.

Amor aos Milhares

Ontem uma mãe deixou seu amor ali.
Hoje uma filha deixou seu amor ali.
Há alguns dias um neto deixou seu amor ali.
No início do dia um pai deixou seu amor ali.
Agora um filho deixa seu amor ali.
Foram tantos e, tantos e, tantos…

Ali em covas: vidas, amores, dores…
Ali em covas sem lápides
Milhares se vão sem ouvirem adeus.
Milhares se deixam ir sem esperança, só dor.
Milhares tombam sem o último suspiro.
Milhares seguem vencidos para o além.

Cadê o amor?
A filha, a mãe, a avó…
O filho, o pai, o avô…
Cadê o amor?
O homem, o companheiro, o amante…
A mulher, a companheira, a amante…
Que após uma vida de mãos dadas
Partiram sem o último beijo de amor…

Publicado: Revista EntreVerbo, ano 4 – edição 32 – jun de 2020, página 15, Canoas/RG.

(Quadra)

No sertão o vírus vulgar
Mirou e ceifou o sertanejo.
Ao roto ofertou o algar
E ao coveiro o manejo.

Publicado: Revista Cabeça Ativa edição 50, Ago-Set e Out de 2020, página 23. São Vicente-SP.
Revista Poesia Sem Medo, edição 19º – nov de 2020, página 08. São Paulo-SP.

Ele a Tempestade

Houve um tempo
No qual eu conseguia flutuar,
No qual eu trafegava entre arvoredos,
No qual eu competia com borboletas,
No qual eu entre abelhas desfrutava do pólen,
Mas veio ele a tempestade
E o ar pesado ficou.
Eu não mais entre arvoredos trafegava,
Quase árvores não havia.
E o ar pesado ficou.
E não mais haveria de com borboletas competir,
Pois suas cores,
Pois minhas cores,
Todas sumiram.
E o ar pesado ficou.
Eu não mais o pólen compartilhava com as abelhas,
Pois as flores,
As flores morreram.
E o ar pesado ficou,
O ar,
Ar,
Ar…

Ele chegou e a tempestade se instalou.
Por todos os campos
A todos convenceu,
De que,
Os filhos da floresta,
Os nascidos da terra,
Os irmãos do lobo, do rio e da selva
Parasitas eram.
Sua ligação com a floresta
Uma chaga social,
Chaga a ser extirpada,
Chaga a ser curada,
Chaga a ser esquecida,
Chaga a ser enterrada.
E assim,
O ar pesado ficou,
O ar,
Ar,
Ar…

Ele chegou e a tempestade se instalou.
Por todos os cantos
A todos convenceu
Com seu canto torto
Que seus canos metálicos
Que fogo cospem
Seriam a solução para todos os males.
E por todos os quatro cantos
Os viventes brincavam de cowboys.
Os viventes cavalgavam a insana ignorância.
Os viventes sem botas apenas descalços.
Os viventes armados com canos de morte,
Os viventes fogo cuspiam,
Os viventes brincavam de Deus,
Os viventes retiravam dos viventes:
O sopro inicial;
O sopro motriz;
O sopro da vida;
O sopro de vida.
E tantos se deitaram
Antes do entardecer.
E o ar pesado ficou,
O ar,
Ar,
Ar…

Ele chegou e a tempestade se instalou.
Em seu discurso a união servil,
Apenas o X,
Apenas o Y.
Apenas o perpetuar da espécie.
A criação, a manutenção da força motriz
O exército reserva tão essencial
Para que as coisas sejam como são.
Em seu falar o progresso:
O acúmulo de riquezas;
O acúmulo individual;
O acúmulo em cofres públicos;
O acúmulo em cofres privados.
O sonho do também posso.
A ilusão de que correntes não existem.
A ilusão de que nossos pés atados não estão.
A ilusão de que eu posso,
Eu posso um dia mandar,
Eu posso um dia subjugar,
Eu posso um dia enriquecer,
Eu posso um dia colocar
Por sob minhas botas
Um alguém,
Um vivente,
Um irmão sem botas.
E o ar pesado ficou,
O ar,
Ar,
Ar…

Ele chegou e a tempestade se instalou.
E exilados foram:
Os pardais dos madrigais;
Os menestréis e seus cordéis;
As borboletas das violetas;
Os povos da floresta.
Os nascidos por sob as estrelas,
Os que se irmanam aos pés mãe,
Os que a protegiam,
Os que a amavam,
Os que a queriam
Em seu lugar.
E,
Soltaram a besta que mandaria
A floresta para longe.
A besta, a floresta sem festa findaria.
A besta, os homens ao matadouro seguiram.
A besta com a besta e todos se curvaram.
E o ar pesado ficou,
E o viver pesado ficou,
E o amar pesado ficou,
O amar,
Amar,
Amar,
Ar…

Nota: O poema foi a base textual para a canção homônima composta pelo Maestro Vidal França e Alexandre Paulino.

Toda Dor

Quando escrevo meu coração não é meu.
Quando escrevo meu coração não é um.
Quando escrevo meu peito cresce, transcende.
Quando escrevo tenho em meu peito o seu coração,
Quando escrevo o meu,
O seu, do seu irmão, do irmão do seu irmão e do seu vizinho.
Todos batem em meu peito.
Meu sentir já não é meu sentir.
Faço do seu sentir meu sentir.
Minha dor já não é minha dor.
Faço da sua dor minha dor.
Faço da dor do seu irmão.
Faço da dor do irmão do seu irmão.
Faço da dor do seu vizinho.
Faço de toda dor,
De toda dor que no mundo cabe,
Caber em meu coração.
Faço dela minha dor
E nesse sentir escrevo,
Escrevo o que bate no peito de Maria, Martinha e Marília.
Escrevo a lágrima que verte de Verdinam, Virgulino e Virgínia.
O pesar da partida de Bartira, Berlinda e Beatriz.
Do peito a dor da lágrima da partida
Que em meu peito refúgio tem,
Que em meu peito poema torna.

Publicado: Antologia 40 Poetas em SP, página 59, Editora Patuá, 2019, São Paulo/SP.

Haikai Casados

Assassinei o medo
Dizia ele da partida
Dela minha amada.

Enterrei bem fundo,
Tão fundo no azul do céu
Lá só o vento o ouve.

Hoje meus ouvidos
Só ouvem sua doce voz
Aqui a me embalar.

Publicado: Antologia Encontro de Utopias, página 63, Editora Patuá, 2019, São Paulo/SP.

Livre

Queria ser livre como a pipa,
Mas a pipa não é livre, está presa a linha, está presa ao vento.
Queria ser livre como a pomba,
Mas a pomba não é livre, está presa a gravidade, está presa aos seus.
Queria ser livre como o rico,
Mas o rico não é livre, está preso a riqueza, está preso a pompa.
Queria ser livre como a vida,
Mas a vida não é livre, está presa ao tempo, está presa a morte.

Livre, mas livre mesmo e o vento,
Vento que não se prende e sai aos quatro quantos.
Livre, mas livre mesmo e o sorriso da criança,
Sorriso que se solta e sai à vista de todos.
Livre, mas livre mesmo e a imaginação,
Imaginação que voa e vai do íntimo ao infinito.
Livre, mas livre mesmo e a chuva,
Chuva que cai e sai do céu ao léu e molha o véu.

Deveria livre ser a crença e a toda fé valer e a todos libertar.
Deveria livre ser o amor e a todos contagiar e a todos inflamar.
Deveria livre ser a paz e a todos valer e a todos inspirar.
Deveria livre ser a alegria e a todos contagiar e com o mundo compartilhar.

Nota: Texto selecionado pelo Concurso literário Jandira e Outras Terras de 2017.

(Sem título)

Quão bom!
Seu estar bem
Faz
Meu estar bem
Ficar
Bem também.

Publicado: Sarau Achados & Perdidos, página 94, Desconcertos Editora, 2019, São Paulo/SP.

(Haicai)
A razão escuto,
Mas aqui minh’alma entrego
À nossa loucura…

 

Alexandre Paulino, poeta paulistano trabalha como professor no ensino fundamental na rede pública de Osasco, mas já fez um pouco de tudo neste mundão e confessa abestalhado que em matéria de guarida ainda espera a sua vez, parafraseando o Seu Zeca nosso poeta do samba. Participa do cenário da literatura marginal através dos diversos saraus da região paulistana, nos últimos anos teve a prazer de ver seus textos selecionados por onze prêmios literários, conta com a participação em doze antologias literárias de várias editoras e produções independentes bem como a participação em várias revistas literárias. Dirige, produz e apresenta em conjunto com sua companheira Aline Lopes o programa CasArte Marginal na Web Rádio CasIlêOca. Para conhecer mais acesse:
http://paulinoalexandreletraseverbos.blogspot.com/

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comentários

2 comments

  1. Parabéns meu poeta lindo! Você merece cada reconhecimento da sua trajetória poética! Sou sua maior fã!

    Parabéns a todos os envolvidos. Lindo trabalho!

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