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Uma vez atirei com uma metralhadora AK 47 por PAULO CABRAL

“O que mais recordo e me incomoda até hoje é a lembrança da sensação de poder que me deu ter uma metralhadora na mão…”

Foi no Camboja, em 2002.

Levou meia hora na garupa de um moto-taxi do centro da capital, Phnon Penh, até um tal ‘shooting range’, em que um rapaz (meio que) vestido de militar me recebeu com 2 cardápios: coca-cola, cerveja, petiscos em um; no outro, AK-47 (30 tiros por 20 dólares), pistola (15 tiros por 10 dólares) e bazuca (100 dólares o tiro) eram exemplos.
Por mais US$ 15 o cliente tinha opção de comprar um pato pra estraçalhar com a metralhadora ou podia pagar US$ 100 para explodir uma vaca com a bazuca. Foi esta última a opção de um grupo de americanos bobos-alegres-doentios que encontrei de noite no hostel, gargalhando com o vídeo feito para eternizar a experiência.
Optei pela “soviética” AK 47 – a arma símbolo dos guerrilheiros esquerdistas ao redor do mundo – e por um alvo de papel. A arma estava apoiada num suporte sobre uma bancada e lá adiante – uns 20 metros, talvez? – o alvo em forma de dorso humanos Pressionei o gatilho e saiu uma rajada de balas pela frente e um coice (relativamente forte) no meu ombro. Experimentei mais um pouco com algumas rajadas mas em menos de um minuto meus 30 tiros e U$ 20 tinham terminado. Se não me engano, acertei uns 10 tiros no alvo (nenhum na mosca).

O que mais recordo e me incomoda até hoje é a lembrança da sensação de poder que me deu ter uma metralhadora na mão. O sorriso de orelha a orelha que nasceu quando terminei de dar os tiros (vi depois num vídeo) ainda me assombra. Me considero um pacifista: não vejo violência como solução; não tenho e não pretendo ter arma; e acredito que sociedades com poucas armas são (geralmente) mais saudáveis do que as bem armadas.
Acho que a busca por essa sensação – que identifiquei no meu lado sombra – é uma das motivações comuns de quem quer ter uma arma na mão. Trata-se de sentir o poder, por exemplo, de buscar se defender de uma agressão (a racionalização mais comum) ou de fazer valer uma posição (o que com frequência ocorre quando o armado perde a razão).

Considero a discussão sobre o direito à posse de armas complexa e com mais de uma faceta, o que não me impede de uma preferência clara: prefiro a sociedade desarmada e sou a favor de leis que nos levem nesse caminho.
Mas minha raiz libertária/anarquista me faz levar a sério os argumento que defendem reduzir o poder de o Estado determinar quem pode ou não pode ter uma arma. É o argumento da liberdade individual, inclusive de defesa contra a agressão dos pares ou a tirania das autoridades. Para o anarquismo e libertarismo clássicos, o Estado proíbe os cidadãos de terem armas porque precisa de meios efetivos de controle sobre o eles, através do monopólio da força.

Por isso uma sociedade como a Suíça – em que o Estado não teme seus cidadãos e estes confiam nas suas instituições – se sente confortável em armar as pessoas: o país não tem um exército regular e os cidadãos que prestam serviço militar recebem um fuzil pra guardar em casa e usar apenas em caso de um chamado oficial. E todas estas armas não fazem da Suíça um lugar perigoso nem dos suíços um povo dado à violência.
No Estados Unidos o princípio libertário e de auto-determinação também está na raiz do direito constitucional à posse de armas. Mas em que pese a força do princípio, mesmo por lá – a terra dos tiroteios em escolas – cada vez mais gente percebe que, na prática, facilitar o acesso às armas numa sociedade já violenta essencialmente alimenta mais violência.

Tristemente, me parece que é o caminho americano que estamos trilhando aqui. Na minha utopia mais distante, armas seriam absolutamente desnecessárias – acabaria a violência entre seres humanos e mesmo animais não teriam que ser caçados – mas isso está muito além do horizonte. No fim das contas, caio na obviedade de que o problema não são as armas mas os humanos e suas sociedades. Chega-se ao ponto do paradoxo: as sociedades mais maduras para que todos possam ter armas – Suíça, por exemplo – acabam sendo as que menos precisam delas.
Mas o Brasil está ainda muito distante disso. Me parece claro que facilitar o acesso a armas por aqui só vai piorar nossa crise, seja através de poderosos utilizando este recurso pra fazer valer suas posições; seja pelos oprimidos – como todos nós, submetidos à violência diária do crime – tentando, em geral sem sucesso, se defender.

Nossos espíritos já estão armados até os dentes e não precisam de mais armas na mão.

 

PAULO CABRAL, é jornalista há 20 anos com grande experiência na cobertura internacional. Atualmente é correspondente no Brasil da CCTV News, o canal internacional de notícias em inglês da TV chinesa. Já foi correspondente da BBC News no Brasil e da BBC World Service em Washington DC (EUA) e no Cairo (Egito) além de apresentador, em Londres, dos programas em português de rádio da emissora britânica. Também foi âncora na Rádio Band News FM e repórter do jornal O Estado de São Paulo e da Agência Folha.

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