Arquivos LUIZ SANZ - Rede Sina https://redesina.com.br/category/portal/convidados/sanz/ Comunicação fora do padrão Thu, 12 Nov 2020 04:53:31 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.4.4 https://redesina.com.br/wp-content/uploads/2016/02/cropped-LOGO-SINA-V4-01-32x32.jpg Arquivos LUIZ SANZ - Rede Sina https://redesina.com.br/category/portal/convidados/sanz/ 32 32 Maria Augusta, mãe de todos nós https://redesina.com.br/mariaaugusta-mae-de-todos-nos/ https://redesina.com.br/mariaaugusta-mae-de-todos-nos/#respond Sat, 15 Dec 2018 03:57:51 +0000 http://redesina.com.br/?p=5636 (☼12/12/1924, em Atafona, Campos, RJ, † 05/06/2001 no Rio de Janeiro, RJ) Luiz Alberto Sanz Dezembro, em nossa enorme família cheia de sobrenomes diversos, é um mês que associa lembranças prazerosas com a dor da perda num único sentimento: Saudade. No dia primeiro, em 1996, faleceu Luiza; 90 anos antes,  dia 07, nascera em Santa …

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A Dama de Ébano e o Barata Descascada. Foto de José Sanz.
(☼12/12/1924, em Atafona, Campos, RJ, † 05/06/2001 no Rio de Janeiro, RJ)
Luiz Alberto Sanz

Dezembro, em nossa enorme família cheia de sobrenomes diversos, é um mês que associa lembranças prazerosas com a dor da perda num único sentimento: Saudade. No dia primeiro, em 1996, faleceu Luiza; 90 anos antes,  dia 07, nascera em Santa Maria da Boca do Monte seu irmão mais velho, o jornalista Barreto Leite Filho, saudado por figuras de destaque da vida gaúcha; em 1924, dia 12, vira a luz em Atafona, no Norte Fluminense, Maria Augusta Correia dos Santos, a mãe afetiva e sempre presente de todas as gerações que se seguiram; aos 18 de dezembro de 1933 nascera a matriarca rebelde Duddu Barreto Leite; a José Sanz, multifacetado arquivista de sombras, tradutor, especialista em Ficção científica e contador de histórias, coube o dia 21 em 1987 para morrer. Encerrando o mês, nasceu em 1962, no ramo dos Sanz, Azaury de Alencastro Graça Jr. que vai em frente, sempre com muita iniciativa. Estas histórias serão contadas, mas não hoje, porque, como diz Antonio Machado: no hay camino, se hace camino al andar.

Agora é tempo de falar de Maria Augusta, Mãe Maria, Iá, que acalentou em seus braços pelo menos três gerações de filhos que não pariu. Contava minha mãe Luiza que ao me ver recém-nascido, aquela mulher negra bela e esbelta, que só andava bem penteada e de unhas feitas – embora cozinhasse, limpasse, lavasse e passasse, além de ajudar a cuidar de minha irmã e meu irmão mais velhos enquanto a patroa se virava em no mínimo três empregos – exclamou: “Mas que menino mais feio!”. Pois a guerreira de ébano e o roliço e careca “barata descascada” se amaram pela vida toda e fui o preferido até que surgissem um outro branquela espaçoso e uma negrinha linda de morrer e espevitada a mais não poder, Mário Sergio Sanz de Oliveira e Jussara Araújo, a Sassá. Foi Mário Sergio, o Mario Oliveira das redes sociais, que passou a chamá-la de Iá. Sem nunca imaginar que, em iorubá, IYÁ é MÃE.

Minha avó, Dona Gonçalina Corrêa de Azevedo, aristocrata falida dos pampas, não era fácil. Mamãe dizia: “Não parava empregada lá em casa”. Então, quando Maria Augusta chegou para a entrevista de emprego, ou para começar a trabalhar, sei lá, Luiza olhou para seus cabelos e suas unhas longas e pintadas de vermelho e pensou: “Esta não dura uma semana”. Pois durou mais de 54 anos, até que Luiza morresse e ela fosse morar em Bangu com Delvira, Sassá e Lulu (Maria Luiza, em homenagem às duas), filha e netas desse coração grande cuja prole foi gerada por outras, mas criada por ela.

No percurso até sua morte, em 05 de junho de 2001, nossa Iyá nos mostrou um mundo que, talvez, nunca chegaríamos a conhecer sem ela, que morava no Morro da Formiga com seu marido, Hernandes dos Santos, trocador de ônibus e malandro de fé nas horas vagas. Ela abriu o barraco para nos receber em muitas ocasiões, quando Luiza tinha compromissos profissionais nos fins-de-semana e ela precisava gozar das folgas cuidando de nós e de Hernandes, que adoecera. Muitas vezes, um ou dois de nós ficávamos na casa da Tia Nenita e da Vó Isaura, irmã e mãe do Zé Sanz, meu pai, que moravam na Rua Uruguay, pertinho do Morro. Na vila pegada, outra tia, Enilda, avó da nossa querida Claudia Vals, ativa defensora dos gatos e inimiga dos fascistas nas redes sociais.

Em meio a minhas vagas memórias, lembro das idas a Ricardo de Albuquerque e Oswaldo Cruz, onde a tia que a criou e a seus irmãos Adahil, Batista, Didi e mais um cujo nome já não lembro. Acho que era o mais velho; pelo menos, como Adahil, o mais circunspecto. Outro dia ainda ficamos, com Sandra, minha irmã, recordando nossas aventuras pelos subúrbios que, nos anos 40/50 ainda não eram superpopulosos. Tia Antônia morou em duas casas de barro que pareciam pequenos sítios, com árvores e horta. Pelo menos é o que minha imaginação reconstrói. Mas concordamos em duas coisas: era longe e, em um dos “sítios”, havia uma mangueira na entrada do terreno em que eu e Sergio subíamos. Uma realidade de pobreza digna, afetuosa, de gente trabalhadora que nos amava como de sua família. Nessa época, só conhecemos outra roça em Vera Cruz, para onde Dona Henriette Amado nos convidou a passar uns dias. Mas era outra realidade. Um sítio com diferentes criações, maior extensão de terra, um lago para os patos e empregados que cuidavam de tudo, até de nós, para que não fizéssemos alguma sandice.

Mãe Maria tinha que cuidar de nós três nessas excursões à pobreza, o que não era fácil. De uma feita, quando íamos embarcar no trem da Central, no começo da linha, eu fiquei para trás e ela teve que me buscar. O Sergio já tinha embarcado, a porta se fechou e lá ficamos. Mãe Maria, Sandra e eu. Ela quase enlouqueceu. Mas Sergio, como a Sandra diz, era “danado”, cheio de iniciativa. Quem o conhece sabe disso. Tínhamos a esperança de que ele saltasse na próxima estação, Mangueira, a Estação Primeira, e esperasse para embarcar no mesmo vagão que a gente. Nada. A cada parada ela ficava mais angustiada. Decidiu ir até à casa de Tia Antônia e deixar a gente lá, para sair em busca do guri. Surpresa, alívio! Sergio já tinha chegado, por conta própria. Lembrava o caminho e não perdera a confiança. Mas as histórias de Sergio serão contadas no momento certo.

Mãe Maria não nos revelou apenas a vida nos morros e na roça, na escola de samba e nas festas juninas populares. Nos levava à feira, aos açougues e quitandas, a leiteria da CCPL do Catete, que pertencia ao goleiro Castilho do Fluminense. Nós conhecíamos leiteiros, padeiros, jornaleiros, sapateiros-remendões, cortávamos cabelo no Bené, cuja barbearia ficava na Marquês de Abrantes, em uma das subidas para o Morro Azul. Tudo sob a supervisão da amada Mãe Maria, que, aos poucos foi deixando de ser esbelta, sobretudo depois que seu querido Hernandes morreu. Deixou de ir à gafieira, aos ensaios da escola de samba do Morro da Formiga e passou a dedicar-se inteiramente a nossa família, mudando-se para nosso apartamento no Edifício dos Bancários da Rua Senador Vergueiro 200, onde já tinha um quarto.

Ela cozinhava como ninguém, embora não fosse banqueteira fina como Adahil, que trabalhava para um amigo da família, o Dr. Edmar Terra Blois, que recebia diplomatas e políticos que se maravilhavam com o refinamento dos pratos criados pela irmã de Mãe Maria, que permaneceu delgada até morrer. Nossa Yiá também tinha seus refinamentos, sobretudo no modo de fazer. Aprendeu alguns pratos com Dona Gonçalina, como uma gelatina que tinha duas cores e uma rosa branca natural no meio; uma rosa de massa folhada com coquetel de camarão no alto; minha sobremesa preferida, que nunca mais comi: Rei Alberto, creme de ameixa e gelatina, que o menino guloso achava ter o nome em sua homenagem. No entanto, os pratos preferidos de todos, afamados entre os que frequentaram o apartamento de Luiza Barreto Leite, eram o prodigioso picadinho de carne cortado à faca em pedaços minúsculos, com azeitona e ovo cozido, feito em quantidade para dezenas de moradores e convidados; o strogonoff de carne com molho de champignons que deu até briga entre dois netos ávidos pelas últimas porções e a carne assada ao molho ferrugem cuja receita herdamos Sandra, minha mulher Didi, eu e Sergio. Mas, confesso, jamais consegui igualar as de minha vida toda com ela. Didi e Sandra chegaram muito perto.

O mais incrível é que isso tudo, ao mesmo tempo, era servido um domingo sim e o outro também, acompanhado de arroz branco, salada de maionese e farofa divinos. E as sobremesas? Além do Rei Alberto, havia o Quindão, as queijadinhas, o pudim de claras, o pudim de leite. Coisas comuns? Não com aquele gosto. Perguntem pra família, pra Graciela Rodrigues, pro Idibal Pivetta, pra Carla Silva, pra Léa Maria Aarão Reis, pro José Ribamar Neves, pra Arlette Neves, pra Fernanda Gurjan e pra Mavia Zettel.

Mas, para mim, a pièce de resistence de nossa existência está nos longos momentos em que passei ao seu lado, ouvindo a Rádio Nacional ou a Mayrink Veiga, que ela me ensinou a amar, torcendo pelo América, que acabei traindo quando entrei para a tropa de lobinhos do Fluminense e a aprender natação por lá e não resisti à pressão para virar-a-casaca; lendo e anotando receitas para ela e, sobretudo, quando me ajudava a fazer os deveres escolares, ensinando-me a raciocinar, usando a lógica, discutindo palavras e construções dos textos que eu escrevia. Ela, que nasceu, cresceu e morreu analfabeta foi sem dúvida, a pessoa mais sábia que conheci. E me ensinou pelo exemplo o que é respeito e consciência étnica e de classe.

Sua dignidade impressionou até o sargento do grupo de busca da 2ª Seção do I Exército, (mais tarde se tornaria o núcleo principal do DOI-CODI no Rio), que foi revistar o apartamento de Luiza à minha procura. Negro como ela, recebeu ordem do capitão branco e arrogante para revolver seu quarto em busca de documentos e outras provas. Ele olhou para nossa Iyá e lhe disse, em voz baixa: “fique calma, vou demorar um pouco aqui e se alguém lhe perguntar, diga que revistei o quarto”. Alguns minutos depois, reportou a seu comandante que não tinha achado nada. Na verdade, todos os documentos comprometedores da casa estavam lá. Levaram alguns livros da estante da sala. O que mais lhes chamou a atenção foi um sobre a Revolução Chinesa escrito pelo general fascista Chiang Kai-shek, Presidente da China Nacionalista. E prenderam meu irmão, para servir de refém, na esperança de que eu me entregasse.

Luiza contava que Mãe Maria não perdeu a tranquilidade em qualquer momento, mantendo as mesmas fleuma e sisudez que demonstra na maior parte das fotos em que aparece. Sãos raros os momentos em que permitia que lhe registrassem um sorriso carinhoso. Seu carinho trazia um tempero de “respeito é bom e eu gosto”. Acho que só o marido de Sandra, Tião, e seu filho Mario Sergio se permitiam fazer brincadeiras com ela. Para este último, nos últimos anos, ela preparava o picadinho famoso com batatas chips (outra especialidade) excepcionalmente crocantes e servia escondido. Já não aguentava picar carne para um batalhão. Isto provocava motins indignados, com ameaças à integridade do rapazote.

O intelectual que me tornei devo sobretudo a essas duas mulheres, a analfabeta, negra, favelada, culta e elegante Maria Augusta Correia dos Santos, Mãe Maria, Iá ou Iyá, e a letrada, branca, descendente da aristocracia falida dos pampas, culta e elegantérrima Luiza Barreto Leite. Nos últimos anos de vida de Luiza fizemos no seu apartamento uma homenagem aos 50 anos que passaram juntas, cada uma e seu ofício e maneira de ser, educando gerações. Foi emocionante.

Mãe Maria, no que seria seu aniversário de número 94, declaro, mais uma

Mãe Maria e seus filhos Delvira, Sandra, Luiz Alberto, Sergio, Duddu e Vera

vez, meu amor edipiano e agradeço tudo que você fez por mim e por nós, abrindo mão de muitas coisas e transformando a nossa vida, de todos nós, na sua vida. E transformando-nos no processo.

Evoé!!!!!

 

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Eleição é uma questão tática – LUIZ ALBERTO SANZ https://redesina.com.br/eleicao-e-uma-questaotatica/ https://redesina.com.br/eleicao-e-uma-questaotatica/#respond Sun, 21 Oct 2018 03:39:17 +0000 http://redesina.com.br/?p=5420 às urnas, em defesa da democracia e dos direitos dos trabalhadores Luiz Alberto Sanz Com o respeito inabalável que dedico a todos os camaradas que têm a coragem de assumir-se como libertários e/ou anarquistas, mergulhando nas tarefas cotidianas de mudar o mundo mesmo que saibamos que a maior parte de nós não o verá mudado, …

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às urnas, em defesa da democracia e dos direitos dos trabalhadores

Luiz Alberto Sanz

Com o respeito inabalável que dedico a todos os camaradas que têm a coragem de assumir-se como libertários e/ou anarquistas, mergulhando nas tarefas cotidianas de mudar o mundo mesmo que saibamos que a maior parte de nós não o verá mudado, argumento que estamos tomando por estratégica uma palavra de ordem tática. Nem sempre os anarquistas se abstiveram ou anularam seus votos. Em 1936, no Estado Espanhol, os anarquistas foram às urnas em apoio à Frente Popular, da qual não faziam parte, para impedir a vitória eleitoral do fascismo. Este ano, os libertários mexicanos reunidos em torno do EZLN e do Conselho Nacional Indígena lançaram à Presidência da República a médica tradicional do povo nahua María de Jesús Patrício Martínez, porta-voz do Conselho Indígena de Governo. O objetivo? Deixar claro o caráter enganador das eleições gerais mexicanas e a independência do movimento indígena ante os conluios eleitorais.

Penso que estamos em uma situação semelhante à vivida no Estado Espanhol na que foi a última eleição da II República. A Frente Popular não era muito diferente do que é a aliança em torno a #FernandoHaddad e a Frente Nacional de Gil Robles tampouco diferia muito do que é o amontoado direitista de Bolsonaro. Em lugar do clero católico encabeçado pela Opus Dei, temos os neopentecostais.

Eu me abstive no primeiro turno, coerente com a convicção de que deveria ficar patente que a rejeição é tão grande que torna ilegítima a vitória de qualquer das partes. Neste segundo turno, frente à possibilidade de vitória eleitoral dos fascistas e a ameaça de golpe implícita no decreto do General Etchegoyen assinado pelo sr. Michel Temer,

votarei #contraofascismo

votarei #Haddad,

sem que isto signifique que apoio sua política, seu partido e seus aliados. E convido a todos que prefiram lutar em liberdade por uma sociedade mais justa para que se somem à

#ResistênciaAntifascista

#bolsonaronão

Teatro de fantoches

Escrevo este artigo ainda sob o impacto do decreto que ressuscita o DOI-CODI, agora com o nome pomposo de Força-Tarefa de Inteligência para o enfrentamento ao crime organizado no Brasil. Foi emitido no dia 15, na surdina, pelo atual desgoverno, cuja persona mais forte, e que vai coordenar o “novo” órgão centralizador da repressão, é o General Sergio Etchegoyen, que o assina juntamente com o “Presidente” Michel Temer.

É a mais importante novidade do quadro político no Brasil, embora já houvesse pistas de que poderia acontecer. Mas não percebo reação significativa das forças antifascistas e democráticas, nem mesmo dos grupamentos envolvidos no embate eleitoral. A mais consistente veio do jornalista Luís Nassif, no GGN, no dia 17, em artigo que terminava com a frase: “Bem-vindos de volta ao inferno!” Compartilhada a informação nas redes sociais, houve uma resposta considerável, porém as duas campanhas, que eu saiba, ficaram caladas.

No mesmo dia 17 (ainda não lera a coluna do Nassif), compartilhei o texto do decreto no Face Book e no G+, dizendo:

Renasce, por decreto, o DOI-CODI, agora com o nome pomposo de Força-Tarefa de Inteligência para o enfrentamento ao crime organizado no Brasil. (…) Nem esperaram o resultado da eleição, ainda indefinida. Querem deixar lastro para que as ações repressivas não tenham que passar por um Presidente Civil. O poder, desde já, está nas mãos do General Etchegoyen, filho e neto dos generais Etchegoyen de má memória. Confirma-se a condição de fantoche do senhor Michel Temer. A mão que o manipula tem punho de ferro.

Comentando a preocupação de uma colega quanto ao conteúdo do decreto, na mesma postagem, escrevi:

Sim, amiga! Os generais preparam-se para intervir, penso eu, qualquer que seja o resultado. É impensável para eles servirem sob as ordens de um petista em um país dividido. Mas também é impensável servir sob as ordens de um capitão, conhecido na tropa como “bunda suja” e que foi dispensado, enviado para a reforma, aos 32 anos por insubordinação e outras violações do Regimento Disciplinar do Exército, o famoso RDE.

Silêncio ruidoso

É preocupante o silêncio do PT e de seu candidato a respeito das consequências deste documento que Nassif e outros colegas da Imprensa chamaram de preparação para o Ato Institucional Nº 1 “do novo regime”.

Que a campanha da extrema direita não se pronuncie, é natural. Seus membros pensam que essa Força-Tarefa os fortalecerá, que o General Etchegoyen e seus pares se submeterão ao capitão insubordinado. Algo semelhante pensaram os articuladores do golpe no Chile em 1973. Em suas comunicações internas chamavam Pinochet de Chapeuzinho Vermelho (é melhor do que “Bunda Suja”). Acabaram engolidos pela “menininha ingênua” que se mostrou um ditador voraz.

Esquecem os bolsonaristas e seus estrategos que a seus atos de campanha, organização de milícias, agressões orquestradas contra seus adversários, postagens nas redes sociais de apoiadores empunhando armas, caem como uma luva as caracterizações de formação de quadrilha e crime organizado, embora o decreto tenha como alvo principal os movimentos sociais e agrupamentos de esquerda e libertários. Seu candidato não conseguiu formar-se na Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais. Os generais da ativa (não os generais de brigada reformados, que chegaram ao posto graças à aposentadoria) cursaram a Escola Superior de Guerra, a famosa “Sorbonne”, na qual foram gestados o golpe de 1964 e os Governos da Ditadura.

Lá estudaram, entre outras coisas, a ascensão e queda do nazismo e do fascismo italiano. Puderam investigar as consequências nefastas, para a aristocracia militar alemã, de alinhar-se a um regime comandado por um cabo do Exército desqualificado e transformado em mito por hábeis intelectuais pequeno-burgueses especialistas em manipulação das massas e por intelectuais orgânicos do lumpesinato que recrutaram a bandidagem, os descontentes com a situação econômica e social do país e todos os tipos de aventureiros para organizá-los em suas milícias, as SA e as SS e na GESTAPO. As SS, logo, foram transformadas em tropa de elite, com poder maior que o das forças armadas regulares, inclusive seus comandantes. Quando os generais perceberam que não poderiam manipular o cabo, era tarde demais. Estavam enfiados até o pescoço em uma guerra que não podiam vencer.

Abandono e desilusão

As esquerdas, incluídos os libertários (por menos que gostem disto), costumam subestimar seus adversários ou escolher errado seus rivais. Preferem brigar entre elas, em busca da hegemonia. A situação atual reflete tais vícios. Há uma surpresa geral com o crescimento da opção pela extrema direita, apesar de ser tendência mundial.

Os socialdemocratas (PT, PDT) perderam décadas dedicando-se a alcançar o poder governamental, fortalecer seus partidos e expandir suas bases eleitorais. Chegando ao governo, cooptaram os melhores quadros “de massa”, aqueles enraizados nos locais de trabalho, moradia e estudo para ocuparem postos nas burocracias governamentais, parlamentares e judiciais. E neutralizaram a ação dos sindicatos, convencidos de que os movimentos sociais que se enfrentassem ao Governo socialdemocrata estariam servindo aos inimigos de classe. Confundiram classe com partido e partido com Governo, repetindo erros históricos que remetem, pelo menos, à Revolução Francesa.

Deixaram um vazio que veio a ser ocupado pelos dissidentes de suas próprias organizações, por milicianos egressos das forças policiais, pelo lumpesinato armado com fuzis e entorpecentes e estruturado segundo normas aprendidas no convívio com presos políticos nos “anos de chumbo”, e também pelos pastores e “obreiros” neopentecostais. Todos oferecendo algum tipo de fé, conforto, agonia.

Quando a política econômica e social do que seria o Governo da Classe Trabalhadora encontrou uma crise no caminho, em parte provocada por seus verdadeiros adversários, o capital financeiro, que enriquecera ainda mais durante sua gestão, as massas começaram a abandoná-los, desestimuladas, percebendo que, à maneira de Getúlio, o Governo era o pai dos pobres, mas a mãe dos ricos. Como resposta, os governantes abriram novas negociações com aqueles que estavam agindo para derrubá-los. Foram perdendo os “aliados”, que pediam mais e não cumpriam o combinado. E o povo, principal beneficiado pelas políticas sociais, também se foi, desencantado ao descobrir que o que lhe fora concedido, dando-lhe esperança, não fora conquistado e se esvaía como fumaça e percebeu estar sem interlocutores que o ajudassem a entender o quadro confuso.

Não-voto e rejeição do estado

Os libertários, em particular os anarquistas, não abandonaram as bases, continuaram a organizar os trabalhadores e trabalhadoras, estudantes e famílias, moradores e moradoras e os sem teto. E com eles fundam e mantêm creches, escolas, bibliotecas e centros sociais. Em geral, sem abrir mão das convicções sobre o papel ilusionista e enganador da chamada democracia representativa e das eleições como estratégia transformadora da sociedade.

As palavras de ordem Abstenção e Voto Nulo tiveram, nas duas últimas eleições, uma repercussão talvez só equivalente à das eleições de 1974, em que mais de 50% dos alistados se abstiveram ou votaram nulo ou em branco. No entanto, eu me permito afirmar, sem comprovação, que essa estatística não representa uma adesão da maioria dos que se abstiveram, anularam ou comprimiram o botão da indiferença ao não-voto consciente.

A maior parte das pessoas que conheço que adotaram o não-voto não rejeitam o estado ou a sociedade. Rejeitam os partidos na medida em que os interpretam como ratatulhas, ajuntamentos de pessoas reles, infames, moral ou socialmente desprezíveis. Mas, na sua desesperança, ainda esperam que surja alguém em quem possam confiar. Precisamos mostrar-lhes que só podem confiar em si mesmos, em sua retidão, em seu compromisso com sua classe e seus iguais. Que o caminho está na democracia direta, na horizontalidade das decisões, no federalismo comunitário.

Saudações libertárias! Saudações democráticas!

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José Louzeiro, sempre do outro lado da linha do trem POR LUIZ ALBERTO SANZ https://redesina.com.br/jose-louzeiro-sempre-do-outro-lado-da-linha-do-trem/ https://redesina.com.br/jose-louzeiro-sempre-do-outro-lado-da-linha-do-trem/#respond Sat, 30 Dec 2017 00:46:16 +0000 http://redesina.com.br/?p=3619 por Luiz Alberto Sanz                                                                               #Niterói Morreu hoje, aos 85 anos, o companheiro José Louzeiro. Respeitávamos-nos, acima das divergências, secundárias, que sempre podem existir. Sinto sua morte e, é claro, a falta que farão suas sinceridade, perspicácia e pertinácia e o enorme talento que marcaram sua vida. Dei uma rápida olhada no noticiário da Internet …

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por Luiz Alberto Sanz

                                                                              #Niterói

Morreu hoje, aos 85 anos, o companheiro José Louzeiro. Respeitávamos-nos, acima das divergências, secundárias, que sempre podem existir. Sinto sua morte e, é claro, a falta que farão suas sinceridade, perspicácia e pertinácia e o enorme talento que marcaram sua vida.

Dei uma rápida olhada no noticiário da Internet e chamou minha atenção o silêncio tonitruante sobre o sindicalista e político José Louzeiro, principal dínamo da criação do Sindicato dos Escritores do Rio de Janeiro, em 1968 e, dez anos depois, na fase de “abertura”, um dos mais destacados ativistas que levaram à derrota dos pelegos que dele se haviam apossado com a ajuda da Repressão e à eleição do imortal Antonio Houaiss. Está lá no Tiro de Letra (http://www.tirodeletra.com.br/) onde fui conferir, porque até a Wikipédia omite esta faceta de sua história.

Louzeiro sempre foi um resistente, com visão clara sobre o mundo de opressão em que vivemos. Basta ler seus romances, sejam os criminais ou os juvenis para perceber quem era o autor, que nunca esqueceu suas origens. Entre os meus preferidos, estão os da “Gang do Beijo”, classificado de infanto-juvenis (eu deixaria o infanto de lado), marcado pelo elogio à inteligência, à rebeldia e à tomada, pelos jovens, do destino em suas próprias maõs.

Lembro uma anedota que contam a seu respeito, simbólica. Se não for verdadeira, merece que se publique a versão:

Era aí por 1985 (não lembro exatamente) e José Sarney (usando de prerrogativas que Getúlio Vargas já usara) se fez eleger membro da Academia Brasileira de Letras. O repórter diz ao super-repórter Louzeiro: “O poeta Ferreira Gullar apoiou a indicação do Presidente Sarney e disse que ele é um dos maiores poetas brasileiros. O que o senhor acha, como escritor maranhense?” Louzeiro, não teria pensado muito e respondeu algo assim:

“Eu não entendo nada disso. Isso é coisa lá deles. Eu nasci no outro lado da linha do trem”.

Uma das melhores definições de classe e de atitude perante a vida de que já tomei conhecimento. Louzeiro nunca abandonou seu lado da linha do trem.

Vamos lembrá-lo para sempre. A pais e avós, só posso recomendar que presenteiem seus filhos, netos, sobrinhos, sempre que puderem, com os romances de Louzeiro, mesmo quando já estiverem adultos. É seu legado. E fico aqui lembrando o sindicalista com quem minha mãe militou e cuja liderança reconhecia.

LUIZ ALBERTO SANZ (LUIZ ALBERTO BARRETO LEITE SANZ)

Pesquisador independente em Educação, Comunicação Social e Artes do Espetáculo. Professor 13045540_10202122227494484_233987780_nTitular aposentado da Universidade Federal Fluminense. Foi coordenador editorial da revista libertária “letra livre”, é colaborador da “Revista da Educação Pública” (eletrônica) da Secretaria Estadual de Ciência e Tecnologia do Estado do Rio de Janeiro e membro fundador da Associação Brasileira de Pesquisa e Pós-Graduação em Artes Cênicas (ABRACE). Foi, em sua vida profissional, jornalista, cineasta, educador, diretor de espetáculos, técnico cinematográfico e estivador. Exerceu suas funções em Brasil, Chile, Suécia e República da Guiné (nesta, como consultor da UNESCO na área de Comunicação em Matéria de Educação). No Jornalismo, passou por quase todas as funções, mas destacou-se sobretudo como critico teatral (Jornal do Commercio – RJ e Última Hora) e cinematográfico (Última Hora e Rádio MEC), repórter e comentarista cultural e político (Letra Livre, Revista da Educação Pública, Jorna1 de Brasília e Rádio MEC). Na vida sindical, foi Secretário- geral e Presidente do Sindicato de Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diverão do Estado do Rio de Janeiro, na gestão 1981/1984 e, como representante do SATEDERJ, membro da Executiva lntersindical do Rio de Janeiro (1981/1984) e da Executiva do Conselho Nacional das Classes Trabalhadoras – CONCLAT (1983-1984). Como administrador cultural, foi Diretor do Centro Nacional de Rádio Educativo Roquette- Pinto/Rádios MEC (1994); Superintendente Cultural da Embrafilme (1983/1984); membro do Conselho Diretor (1977-1978) e Secretário de Informação (1978-1979) de FilmCentrum (cooperativa de cineastas independentes e animadores cinematográficos), Suécia.

OBRAS PRINCIPAIS / LIVROS: “Procedimentos metodológicos: Fazendo caminhos”. Rio de Janeiro: Senac Nacional, 2003; “Dramaturgia da Informação Radiofônica”. Rio de Janeiro: Editora Gama Filho, 1999; FILMES: “Soldado de Deus”, de Sergio Sanz. (Pesquisador e co-roteirista). Rio de Janeiro: J. Sanz, 2004. “Carnaval: Tradição, beleza e trabalho” (criador e co-roteirista, em parceria com Valéria Campelo, da série de cinco documentários). Rio de Janeiro: Senac Nacional, 1999. “No es hora de llorar/Não é hora de chorar” (parceria com Pedro Chaskel). Santiago do Chile: Universidade do Chile, 1971. [Premiado com a Pomba de Ouro no Festival de Leipzig de 1971; “Kommunicerande karl/Vasos comunicantes” (parceria com Lars Säfström). Estocolmo: Instituto de Cinema da Suécia, 1981. [Premiado com a Menção Honrosa no Festival de Leipzig de 1983] ESPETÁCULOS: “O Amor e seus duplos” (orientador e roteirista). Rio: Cia. Helenita Sá Earp/UFRJ, 2001; “Aline, Luli e Lucinha” (Diretor). Rio de Janeiro: Funarte, l981; “Filo porque qui-lo”, de Aldir Blanc, Gugu Olimecha, Maurício Tapajós e Fátima Valença (Diretor). Rio de Janeiro: Saci Produções, 1971. RADIO: “Tião Parada, o Rei da estrada” (co-criação do projeto, em parceria com Luciana Medeiros e Rosa Amanda Strausz da série dramática infantil e roteirização de alguns). Rio de Janeiro: IBASE/Rádio MEC, 1996. “Verso e Reverso – 2ª fase” (Produção e Criação da Série de 12 programas, e roteirização de dez). Rio de Janeiro: Rádio MEC/Educar, 1990.

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DORA de Luiz Alberto Sanz e Lars Säfström https://redesina.com.br/dora-de-luiz-alberto-sanz-e-lars-safstrom/ https://redesina.com.br/dora-de-luiz-alberto-sanz-e-lars-safstrom/#respond Fri, 08 Dec 2017 00:14:03 +0000 http://redesina.com.br/?p=3540 Quando vi o filme, pensei que deve ser assim que pessoas de outras culturas vivenciam o meio urbano do capitalismo tardio. Mas, ao mesmo tempo, foi minha própria vivência. Fui eu, que vivo em um ambiente semelhante, que vivenciei por alguns breves instantes essa hostilidade contra o ser humano e essa soberba zombeteira. (Karl-Ola Nilsson) …

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Quando vi o filme, pensei que deve ser assim que pessoas de outras culturas vivenciam o meio urbano do capitalismo tardio. Mas, ao mesmo tempo, foi minha própria vivência. Fui eu, que vivo em um ambiente semelhante, que vivenciei por alguns breves instantes essa hostilidade contra o ser humano e essa soberba zombeteira. (Karl-Ola Nilsson)

Hoje compartilhamos o filme do nosso colunista Luiz Alberto Barreto Leite Sanz. Saiba mais:

SINOPSE:

O filme reconstitui a trajetória de Maria Auxiliadora Lara Barcelos, de Minas Gerais, onde nasceu, até seu suicídio no exílio em Berlim, três anos antes da Anistia. Dora fazia parte do grupo de 70 revolucionários libertados em 1971 da prisão em troca do Embaixador Suíço Enrico Bucher, capturado pela guerrilha brasileira em dezembro de 1970.
Apresentação e narração de Reinaldo Guarany e Luiz Alberto Sanz; roteiro de Reinaldo Guarany, Luiz Alberto Sanz e Lars Säfström; Fotografia de Staffan Lindkvist; captação de som de Leonardo Céspedes Garreaud; produção executiva de Bettan von Horn; direção de Lars Säfström e Luiz Alberto Sanz; produção de SLS Film och Videoproduktion para TV Suécia Canal 1.

O artigo a seguir foi escrito pelo filósofo, musicista e jornalista Karl-Ola Nilsson, editado originalmente na revista Film&TV nº 17/1978, órgão de Filmcentrum, Estocolmo, Suécia. A publicação coincidiu com o lançamento do filme pela TV Suécia Canal 1, em agosto de 1978.

Quando chegar o momento…
por Karl-Ola Nilsson

Berlim Ocidental, junho de 1976. Uma refugiada política do Brasil, Dora, 31 anos, atira-se debaixo de um trem de metrô e morre.
Por quê?
Reinaldo, o companheiro de Dora durante seus últimos anos, e seu amigo Luiz procuram a resposta. Viajam pela França e a Alemanha e encontram amigos, seus e de Dora. Visitam lugares onde ela morou. Escolas em que estudou. Vasculham cartas e anotações. Assistem documentários em que Dora participou.
Desenvolve-se, assim, a imagem e o destino de uma pessoa. No entanto, Quando chegar o momento… não trata apenas de Dora, mas também das vidas de outros milhares de refugiados políticos. Na Alemanha Ocidental, na França, na Suécia e pela Europa afora.
Essas vidas não se permitem reconhecer sem que as sociedades que deixaram e para onde vieram sejam minuciosamente descritas. O que também acontece. Por isso, Quando chegar o momento se tornou um pedaço da História Contemporânea de dois continentes, separados por um oceano, mas unidos por laços econômicos.
Eu gosto muito deste filme que me deu uma série de empurrões para diante, emocionais e cognitivos. Uma sequência central é quando Reinaldo e Luiz viajam através da Alemanha. Discutem a situação política no Brasil. Pela janela do vagão vê-se a fumaça das chaminés. Desfilam quilômetros e quilômetros de áreas industriais. Eles viajam à sombra do “milagre alemão” com suas fábricas-modelo e cidades blindadas. E falam sobre o Brasil.
A cena desnuda uma parte do estranhamento, que é o dos exilados, de ter suas aflições políticas despejadas em um país completamente outro, em uma parte do mundo totalmente diferente da sua. Mas, ao mesmo tempo, esta sequência levou meus pensamentos para a ligação entre a República Federal Alemã e o Brasil.
Não se fala também do milagre brasileiro? Claro. O Brasil experimentou durante o final dos anos 60 e começo dos setenta um enorme crescimento na economia. Na base da expansão estavam capitais de EUA, Alemanha Ocidental, Japão, Suécia e outros estados capitalistas. O capital era atraído por condições propícias.
Quem teve que pagar a expansão foram os trabalhadores brasileiros.
O preço foram salários reduzidos, ritmo de trabalho acelerado, sindicatos esmagados, repressão política e tortura. A exploração foi tão brutal que só podia ser executada por um regime violento. Em 1964, uma junta militar derrubou o presidente progressista Goulart. Era o prólogo para o chamado milagre econômico brasileiro.
Foi sob tais circunstâncias que Dora, Luiz e Reinaldo foram presos em 1969. Foram também essas condições que os obrigaram a partir para o exílio.
Em 1970 , foram enviados ao Chile em troca da libertação de um prisioneiro capturado pela guerrilha urbana.
O período no Chile tornou-se agitadíssimo para Dora, preenchido com os estudos e o trabalho entre os proletários das favelas. Uma pausa para respiração, mas curta. Tão curta quanto o Governo Allende.
No outono de 1973 os valetes da burguesia chilena e do imperialismo deram o golpe. Mais um país latino-americano militarizou-se e o imperialismo fortaleceu seu controle sobre a economia do continente.
Dora, Luiz, Reinaldo e outros milhares voltaram a fugir. Dessa vez para a Europa. Fugindo daqueles que ganham com a opressão – a burguesia nos países latino-americanos e o capital, entre outros, dos EUA e da Alemanha Ocidental. (Em 1074 os alemães ocidentais aumentaram seus investimentos no Brasil para 586 milhões de dólares, o que equivale a 11,4% dos investimentos estrangeiros.)
Contra esse pano de fundo, a conversa entre Reinaldo e Luiz sobre a situação no Brasil se torna altamente relevante quando acontece em meio à realidade do capitalismo alemão. Justamente quando o trem passa diante de uma grande siderúrgica com grandes investimentos no Brasil.
Contra esse pano de fundo fica também compreensível porque Dora foi constantemente atormentada pela Polícia e as autoridades alemãs.
Sua liberdade de movimentos foi fortemente reduzida. Durante um período foi obrigada a apresentar-se à polícia três vezes por dia. Seus estudos de alemão tiveram que ser interrompidos. Dessa maneira foram combatidas suas tentativas para adequar-se à sociedade alemã.
Mas policiais e burocratas não foram os únicos obstáculos. Existiam em muitos planos – o espaço urbano, a convivência social, as atitudes dos colegas de estudos. A frieza, o isolamento, a soberba e a humilhação nos ambientes em que Dora foi forçada a viver são sensível e expressivamente capturados em QUANDO CHEGAR O MOMENTO.
Quando vi o filme, pensei que deve ser assim que pessoas de outras culturas vivenciam o meio urbano do capitalismo tardio. Mas, ao mesmo tempo, foi minha própria vivência. Fui eu, que vivo em um ambiente semelhante, que vivenciei por alguns breves instantes essa hostilidade contra o ser humano e essa soberba zombeteira.
O conteúdo e a forma do cinema progressista têm sido discutidos em Film&TV nos últimos tempos. Diferente debatedores manifestaram que as tomadas de posição, experiências e conhecimentos dos próprios cineastas devem mostrar-se nos filmes.

ROTEIRISTA, DIRETOR:

LUIZ ALBERTO SANZ (LUIZ ALBERTO BARRETO LEITE SANZ)

Pesquisador independente em Educação, Comunicação Social e Artes do Espetáculo. Professor 13045540_10202122227494484_233987780_nTitular aposentado da Universidade Federal Fluminense. Foi coordenador editorial da revista libertária “letra livre”, é colaborador da “Revista da Educação Pública” (eletrônica) da Secretaria Estadual de Ciência e Tecnologia do Estado do Rio de Janeiro e membro fundador da Associação Brasileira de Pesquisa e Pós-Graduação em Artes Cênicas (ABRACE). Foi, em sua vida profissional, jornalista, cineasta, educador, diretor de espetáculos, técnico cinematográfico e estivador. Exerceu suas funções em Brasil, Chile, Suécia e República da Guiné (nesta, como consultor da UNESCO na área de Comunicação em Matéria de Educação). No Jornalismo, passou por quase todas as funções, mas destacou-se sobretudo como critico teatral (Jornal do Commercio – RJ e Última Hora) e cinematográfico (Última Hora e Rádio MEC), repórter e comentarista cultural e político (Letra Livre, Revista da Educação Pública, Jorna1 de Brasília e Rádio MEC). Na vida sindical, foi Secretário- geral e Presidente do Sindicato de Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diverão do Estado do Rio de Janeiro, na gestão 1981/1984 e, como representante do SATEDERJ, membro da Executiva lntersindical do Rio de Janeiro (1981/1984) e da Executiva do Conselho Nacional das Classes Trabalhadoras – CONCLAT (1983-1984). Como administrador cultural, foi Diretor do Centro Nacional de Rádio Educativo Roquette- Pinto/Rádios MEC (1994); Superintendente Cultural da Embrafilme (1983/1984); membro do Conselho Diretor (1977-1978) e Secretário de Informação (1978-1979) de FilmCentrum (cooperativa de cineastas independentes e animadores cinematográficos), Suécia.

OBRAS PRINCIPAIS / LIVROS: “Procedimentos metodológicos: Fazendo caminhos”. Rio de Janeiro: Senac Nacional, 2003; “Dramaturgia da Informação Radiofônica”. Rio de Janeiro: Editora Gama Filho, 1999; FILMES: “Soldado de Deus”, de Sergio Sanz. (Pesquisador e co-roteirista). Rio de Janeiro: J. Sanz, 2004. “Carnaval: Tradição, beleza e trabalho” (criador e co-roteirista, em parceria com Valéria Campelo, da série de cinco documentários). Rio de Janeiro: Senac Nacional, 1999. “No es hora de llorar/Não é hora de chorar” (parceria com Pedro Chaskel). Santiago do Chile: Universidade do Chile, 1971. [Premiado com a Pomba de Ouro no Festival de Leipzig de 1971; “Kommunicerande karl/Vasos comunicantes” (parceria com Lars Säfström). Estocolmo: Instituto de Cinema da Suécia, 1981. [Premiado com a Menção Honrosa no Festival de Leipzig de 1983] ESPETÁCULOS: “O Amor e seus duplos” (orientador e roteirista). Rio: Cia. Helenita Sá Earp/UFRJ, 2001; “Aline, Luli e Lucinha” (Diretor). Rio de Janeiro: Funarte, l981; “Filo porque qui-lo”, de Aldir Blanc, Gugu Olimecha, Maurício Tapajós e Fátima Valença (Diretor). Rio de Janeiro: Saci Produções, 1971. RADIO: “Tião Parada, o Rei da estrada” (co-criação do projeto, em parceria com Luciana Medeiros e Rosa Amanda Strausz da série dramática infantil e roteirização de alguns). Rio de Janeiro: IBASE/Rádio MEC, 1996. “Verso e Reverso – 2ª fase” (Produção e Criação da Série de 12 programas, e roteirização de dez). Rio de Janeiro: Rádio MEC/Educar, 1990.

 

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85 brindes para Idibal Pivetta – Das névoas da memória por LUIZ ALBERTO SANZ https://redesina.com.br/85-brindes-para-idibal-pivetta-das-nevoas-da-memoria-por-luiz-alberto-sanz/ https://redesina.com.br/85-brindes-para-idibal-pivetta-das-nevoas-da-memoria-por-luiz-alberto-sanz/#respond Thu, 28 Jul 2016 05:43:41 +0000 http://redesina.com.br/?p=1767 Deveriam ser, neste 28 de julho de 2016, servidas 85 dessas taças cheias com os néctares que os deuses antigos bebiam, fosse nas selvas brasileiras ou mexicanas, nas montanhas gregas ou nos templos védicos. Tantas quanto os anos que Idibal Almeida Pivetta cumpre hoje, pois seu heterônimo mais conhecido, César Vieira, deve estar fazendo uns …

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Deveriam ser, neste 28 de julho de 2016, servidas 85 dessas taças cheias com os néctares que os deuses antigos bebiam, fosse nas selvas brasileiras ou mexicanas, nas montanhas gregas ou nos templos védicos. Tantas quanto os anos que Idibal Almeida Pivetta cumpre hoje, pois seu heterônimo mais conhecido, César Vieira, deve estar fazendo uns cinquenta, se calcularmos seu nascimento junto com o do Teatro Popular União e Olho Vivo. Isso porque Id, segundo o site É tudo Teatro, declarou, em fevereiro passado

“César Vieira” foi oficializado como nome de guerra quando no início da repressão militar os textos teatrais, contos e artigos, escritos com meu nome real, Idibal Pivetta, foram sumariamente proibidos, sem qualquer leitura ou análise, pelo simples fato de seu autor ser advogado de “perigosos terroristas”.[i]

Mas, fato é que meu personagem de hoje aparenta a idade de seu heterônimo, qualquer que tenha sido o tempo vivido pelos dois. Já deve alimentar-se, faz tempo, com a ambrosia dos gregos ou o cacau dos aztecas, ingeridos por meio da paixão pelo teatro e pela justiça social, temperados com o vigor de jovens e veteranos que compõem o TUOV, o Samba do Bule e, agora, o Centro Cultural deles nascido.

Conheço-os desde 1967, quando Cesar se inscreveu no I Seminário de Dramaturgia Carioca, criação de Luiza Barreto Leite, de cuja equipe operacional eu fazia parte (e também, como crítico teatral, do Júri final). Ali nasceu minha admiração por ele, que se estenderia nos próximos anos a Idibal Pivetta.

O primeiro impacto veio com a leitura de Um uísque para o Rei Saul, sua peça de estreia, que concorria ao Seminário. Ganhou a Menção Honrosa de peça dramática. Era difícil um monólogo ganhar o prêmio principal, subvenção do Governo Estadual para a montagem do espetáculo, provocaria uma gritaria danada financiar uma única atriz quando as verbas eram tão poucas e tantos os atores desocupados. Mas Xadrez Especial, de Alfredo Gherard, venceu no desempate e nunca foi montada. A Censura Policial não permitiu que subisse ao palco, três anos depois do golpe, uma peça que falava das condições das prisões e da resistência à Ditadura.

Com o lançamento em São Paulo da brochura contendo Coríntians, meu amor, escrito originalmente como roteiro cinematográfico, e a leitura no Rio de O Evangelho segundo Zebedeu”, quando o Teatro de Arena da Guanabara, no Largo da Carioca, foi atacado a tiros, essa admiração só fez aumentar. À época, publiquei uma nota em Última Hora, jornal do qual era crítico teatral, chamando que Cesar Vieira de o mais importante autor nacional do momento, pois seus argumentos tinham que ser combatidos a tiro. Curiosamente, Plínio Marcos ficou possesso. Em uma estreia na Maison de France gritou para mim “Vá ver quando as máquinas param!”. Não entendeu o que eu quis dizer e não me deixou explicar. Pena.

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Capa da Edição original da peça, em mimeógrafo.

A admiração pelo autor e amigo nunca ofuscou minha objetividade. Em 1969, em São Paulo, Cesar me convidou para assistir aos primeiros ensaios de Zebedeu no Cetro Acadêmico XI de Agosto. Pediu-me que dissesse alguma coisa aos atores. O diretor Silney Siqueira havia se acidentado, ficou um tempo em casa com costelas quebradas, e o autor tinha receio que isso desestimulasse o grupo. Concordei, mas aleguei que estava numa situação ruim, acabara de me separar e mudara para São Paulo para ver no que ia dar. Não queria divulgar que estava por lá. Combinamos que eu ia usar o nome de Miguel e que, para não levantar desconfianças, me apresentaria como amigo de Luiz Alberto Sanz, o crítico de Última Hora. Leria para eles o texto que, supostamente, Sanz tinha publicado no jornal sobre a peça. Este muita gente conhece, pois foi incluído nas várias edições de Em busca do Teatro Popular”, ora assinado apenas por mim, ora assinado por minha mãe, Luiza Barreto Leite (no programa da primeira montagem, quando eu estava preso) e, finalmente, pelos dois.

Ressalto particularmente estas três peças porque exerceram grande influência sobre o intelectual e o homem em que estava me transformando, às vésperas da maturidade. Há um trecho de Zebedeu (parte das cenas 5 e 6 do 2º ato)sobre o qual nunca escrevi publicamente, mas que é para mim tão importante quanto o monólogo de Mariana Pineda, de Lorca. Ambos me alumbraram e fizeram amar ainda mais o Teatro.

As tropas federais atacam Belo Monte, na batalha final da Guerra de Canudos (o correspondente Euclides da Cunha a reporta magnificamente, para quem gosta de fatos frios, leiam seus telegramas). Lhes fazem frente Pajeú, o negro comandante de guerrilhas e cantador (meu personagem preferido), Manoel Quadrado, o comandante militar das forças de Conselheiro, e João Abade, discípulo e valoroso combatente, acompanhados dos romeiros que ainda sobrevivem ao massacre:

TIROS, BARULHO DE COMBATE.

OFICIAL — Infantaria, avançar. Viva Floriano, pela direita, pela Pátria. Ocupem o morro. Cavalaria, carga. Viva a República.

ENTRAM MAIS SOLDADOS. CERCAM OS JAGUNÇOS.

OFICIAL — Êh, , jagunços, vocês estão perdidos. O arraial está cercado.

PONTO — … O exército já…

OFICIAL — O exército já tomou a rua da professora…. as casas vermelhas caíram todas… Se entreguem…

PAJEÚ— Ó, seu majó, deixa de lambuja…

OFICIAL — Garanto a vida de todos. Se entreguem. É o meu ultimatum. Vocês não têm mais comida. Se entreguem.

Manoel QUADRADO — Aqui ninguém come urtimatu. Tem passoca de sobra…

ABADE — Larga a falação, inselência, aproveita o minuto pra se abancá pro outro lugá. Fogo nele, irmãos. Viva o Bom Jesus!

RECRUDESCE O COMBATE. OS JAGUNÇOS SAEM DE SUAS COVA-TRINCHEIRAS E RECUAM SEMPRE LUTANDO, O OFICIAL ATIRA EM PAJEÚ. MANOEL QUADRADO SALTA À FRENTE E RECEBE NO PEITO A BALA A ELE ENDEREÇADA. QUADRADO CAI. MORRE. PAJEÚ, AINDA ATIRANDO, AJOELHA-SE, AMPARA O CORPO DE MANOEL QUADRADO.

MÚSICA

Ao vê-lo que assim jazia, Sebastião solta um brado
Ai de mim, até que extremo, aqui me vejo chegado;
do aceitar com tua morte a vida que já desamo,
Mas espera, amigo, espera, não será por mais de ano.
Que o rei que sabe morrer, morre ao pé do seu vassalo.
Isto dizendo com mágoa, dum salto monta o cavalo,
Com fúria se torna aos mouros, onde o combate é mais bravo.
Busca morrer, dando mortos, busca a morte, Sebastião;
É agora a hora, esta morte é salvação![ii]

PAJEÚ atira com Raiva; É ATINGIDO, CAI. MORRE. ABADE E DOIS JAGUNÇOS ARRASTAM SEU CORPO. SOLDADOS OCUPAM AS TRINCHEIRAS DOS JAGUNÇOS. LUZ EM RESISTÊNCIA. SILÊNCIO. FLASH. SILHUETA DO ABADE E DOIS JAGUNÇOS CONTRA A LUZ DAS FOGUEIRAS, SAINDO LENTAMENTE, CARREGANDO O CORPO DE PAJEÚ.

MÚSICA

Me corte, que eu nasço sempre
Sou que nem soca do cana…
Mo cortem que eu nasço sempre
Sou que nem soca do cana…

CENA 6
ENTERRO DE PAJEÚ

PRIMEIROS ALBORES DA ALVORADA, ABADE E JAGUNÇOS CARREGAM NUMA REDE O CORPO DE PAJEÚ. CAMINHAM DEVAGAR. NO OUTRO LADO DO PICADEIRO ENTRA O CONSELHEIRO COM BEATINHO, A MORENA DE PAJEÚ, A VELHA TIA BENTA E ROMEIROS. ENCONTRAM-SE NO MEIO DO PICADEIRO, O CONSELHEIRO AJOELHA-SE AO LADO DO CORPO DE PAJEÚ. SOFRE PROFUNDAMENTE. O CONSELHEIRO LEVANTA-SE. SOBE NUMA ELEVAÇÃO, VÊ-SE SÓ A SUA SILHUETA MARCADA EM LUZ. ALGUNS JAGUNÇOS AJOELHAM-SE.

CONSELHEIRO (música)
Irmão Pajeú, não sei do que vosmecê morreria;
uns me alertaram que foi de bala, outros que não seria;
Das coisas que vosmecê gostava, não gosta mais
cavalo galopeiro, lamparina de gás,
falar franco na frente, nunca negacear por trás;
da morena de olho grande e lábio fino
que está; aqui no fim do sou destino,
de ajudá os pequeninos,
da querença de não ter forte pra bater no fraco,
da vida vivida sem alarma de sino
Essas coisas, irmão Pajeú, eu garanto, vão ter continuação.

MÚSICA

Me cortem que eu nasço sempre
sou que nem soca do cana…

Três anos depois do Seminário, Cesar se transformou do dramaturgo brasileiro, que eu considerava o melhor dentre os vivos, em meu advogado e de minha companheira Maria Odila. Deixamos de ver-nos em debates, ensaios, salas de espetáculo para encontrar-nos nos bastidores do Presídio Tiradentes, onde eu estava preso.

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Em Capão Redondo para Assistir a “Corintians, meu amor”. Lá tinha a sede do Grupo “A Brava Companhia”

Antônio Cândido e Boal já deixaram clara a indissociabilidade entre o político, o jurista e o artista em Cesar/Idibal. Ele é uma única coisa, um ser humano muito especial. Sobre seus feitos, há relatos em muitos sites e em monografias, dissertações e teses acadêmicas. Recebeu incontáveis prêmios, incentivou e fomentou inúmeros grupos livres de artes cênicas por estas e outras terras. Assombrou, com o TUOV, as plateias de Nancy, Wroclav e Havana, entre outros festivais. Não vou me estender sobre isso.

Quero reproduzir aqui a mensagem que lhe enviei quando, em março de 2015, recebeu o Prêmio Shell por seu trabalho com o TUOV. Palavras sinceras e verdadeiras precisam ser repetidas, muitas vezes. Por que não citar a mim mesmo para lembrar quem é fundamental na nossas vidas?

09 de março de 2015

Querido irmão e companheiro César/Idibal Vieira/Pivetta

Fiquei me perguntando o que te dizer, nesta ocasião, que ainda não tenha sido dito de melhor maneira por gente melhor que eu. Minha mãe, Luiza Barreto Leite, que te amava como seu filho mais velho, destacou, ainda no começo da tua carreira, a absoluta lucidez que te caracteriza, a de alguém que sabe o que faz e porque faz, que escreve o que quer e quando quer, cujas palavras e atitudes são fruto de uma tomada de consciência, adquirida em pesquisa real e profunda. Quem a conheceu sabe que a condescendência jamais foi uma das suas marcas. Dizia a verdade, pura e simplesmente.

Ela e eu te conhecemos em 1967. Já transcorreram 48 anos. Nesse tempo, tua principal obra, o TUOV, recebeu jovens artistas de muitas gerações, consolidando-se como teatro de criação coletiva, difusor da cultura e da História brasileiras, gerando e influenciando incontáveis grupos e iniciativas culturais por todo o país. Como um caleidoscópio, transformou-se sem perder a essência, sempre em movimento.

O prêmio que vais receber, mais um, contempla o reconhecimento de tua obra como artista e defensor do Teatro Brasileiro por parte das elites cultural e econômica da nossa sociedade. Mas é impossível separar o que é uno, desmembrar o homem imprescindível definido por Bertold Brecht, aquele que luta toda vida e não apenas um dia ou anos. Tu, César/Idibal, transformas o mundo caminhando e falando em teatros, tribunais, salas de aula, escrevendo peças, ensaios, romances, poesias. Deixas rastros e discípulos por onde passas e tens como recompensa as risadas, aplausos e comentários do público de trabalhadores que se reconhecem nos teus personagens ou palavras.

Este homem jamais parou de lutar por pão, liberdade, justiça, igualdade e paz, nem quando a Ditadura o mandou para a prisão. És sábio, criativo, culto e generoso.

Eu gostaria de ser como tu.

Luiz Alberto Sanz

Feliz Aniversário, Idibal Almeida Pivetta/Cesar Vieira. Que possas ainda nos oferecer os poderosos frutos de tua generosidade intelectual e artística, da beleza do teu pensamento e dos teus gestos.

Saudações Libertárias

[i] [i](http://www.etudoteatro.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=62

[ii] Trecho do Romance de Alcácer Kibir do cancioneiro popular

 

LUIZ ALBERTO SANZ (LUIZ ALBERTO BARRETO LEITE SANZ)

Pesquisador independente em Educação, Comunicação Social e Artes do Espetáculo. Professor 13045540_10202122227494484_233987780_nTitular aposentado da Universidade Federal Fluminense. Foi coordenador editorial da revista libertária “letra livre”, é colaborador da “Revista da Educação Pública” (eletrônica) da Secretaria Estadual de Ciência e Tecnologia do Estado do Rio de Janeiro e membro fundador da Associação Brasileira de Pesquisa e Pós-Graduação em Artes Cênicas (ABRACE). Foi, em sua vida profissional, jornalista, cineasta, educador, diretor de espetáculos, técnico cinematográfico e estivador. Exerceu suas funções em Brasil, Chile, Suécia e República da Guiné (nesta, como consultor da UNESCO na área de Comunicação em Matéria de Educação). No Jornalismo, passou por quase todas as funções, mas destacou-se sobretudo como critico teatral (Jornal do Commercio – RJ e Última Hora) e cinematográfico (Última Hora e Rádio MEC), repórter e comentarista cultural e político (Letra Livre, Revista da Educação Pública, Jorna1 de Brasília e Rádio MEC). Na vida sindical, foi Secretário- geral e Presidente do Sindicato de Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diverão do Estado do Rio de Janeiro, na gestão 1981/1984 e, como representante do SATEDERJ, membro da Executiva lntersindical do Rio de Janeiro (1981/1984) e da Executiva do Conselho Nacional das Classes Trabalhadoras – CONCLAT (1983-1984). Como administrador cultural, foi Diretor do Centro Nacional de Rádio Educativo Roquette- Pinto/Rádios MEC (1994); Superintendente Cultural da Embrafilme (1983/1984); membro do Conselho Diretor (1977-1978) e Secretário de Informação (1978-1979) de FilmCentrum (cooperativa de cineastas independentes e animadores cinematográficos), Suécia.

OBRAS PRINCIPAIS / LIVROS: “Procedimentos metodológicos: Fazendo caminhos”. Rio de Janeiro: Senac Nacional, 2003; “Dramaturgia da Informação Radiofônica”. Rio de Janeiro: Editora Gama Filho, 1999; FILMES: “Soldado de Deus”, de Sergio Sanz. (Pesquisador e co-roteirista). Rio de Janeiro: J. Sanz, 2004. “Carnaval: Tradição, beleza e trabalho” (criador e co-roteirista, em parceria com Valéria Campelo, da série de cinco documentários). Rio de Janeiro: Senac Nacional, 1999. “No es hora de llorar/Não é hora de chorar” (parceria com Pedro Chaskel). Santiago do Chile: Universidade do Chile, 1971. [Premiado com a Pomba de Ouro no Festival de Leipzig de 1971; “Kommunicerande karl/Vasos comunicantes” (parceria com Lars Säfström). Estocolmo: Instituto de Cinema da Suécia, 1981. [Premiado com a Menção Honrosa no Festival de Leipzig de 1983] ESPETÁCULOS: “O Amor e seus duplos” (orientador e roteirista). Rio: Cia. Helenita Sá Earp/UFRJ, 2001; “Aline, Luli e Lucinha” (Diretor). Rio de Janeiro: Funarte, l981; “Filo porque qui-lo”, de Aldir Blanc, Gugu Olimecha, Maurício Tapajós e Fátima Valença (Diretor). Rio de Janeiro: Saci Produções, 1971. RADIO: “Tião Parada, o Rei da estrada” (co-criação do projeto, em parceria com Luciana Medeiros e Rosa Amanda Strausz da série dramática infantil e roteirização de alguns). Rio de Janeiro: IBASE/Rádio MEC, 1996. “Verso e Reverso – 2ª fase” (Produção e Criação da Série de 12 programas, e roteirização de dez). Rio de Janeiro: Rádio MEC/Educar, 1990.

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Não passarei pela vida em vão por LUIZ ALBERTO SANZ https://redesina.com.br/nao-passarei-pela-vida-em-vao-por-luiz-alberto-sanz/ https://redesina.com.br/nao-passarei-pela-vida-em-vao-por-luiz-alberto-sanz/#respond Fri, 22 Jul 2016 05:43:51 +0000 http://redesina.com.br/?p=1726 Quarta-feira, 22 de junho de 2016 – Belo Horizonte, Minas Gerais. À vontade, sem formalidades, a cena vestida de luzes e equipamentos, o homem toma o violão e se chega ao microfone. Só. Tem a cabeça e a barba acinzentadas, grisalhas como se diz. Mas o espírito parece ser o mesmo de quatro décadas passadas, …

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Quarta-feira, 22 de junho de 2016 – Belo Horizonte, Minas Gerais. À vontade, sem formalidades, a cena vestida de luzes e equipamentos, o homem toma o violão e se chega ao microfone. Só. Tem a cabeça e a barba acinzentadas, grisalhas como se diz. Mas o espírito parece ser o mesmo de quatro décadas passadas, quando pisou pela primeira naquele palco do Teatro Marília, em Belo Horizonte, para seu “show” de estreia: Abriu. Alusão à “abertura” trombeteada pela Ditadura. Mais maduro e sábio, este homem – músico, compositor, ator, diretor de espetáculos, roteirista, dramaturgo, radialista, cantor, pai de Cora e marido de Ana Paula, e o que mais for preciso para criar beleza e consciência – é, e sempre foi, LERI FARIA. E tem uma história para contar.

Não é possível contá-la apenas em prosa, ou em poesia, ou mesmo nas lindas e fortes canções que compõe. Só pode contá-la usando todos os recursos, da linguagem corporal aos arranjos, sem abandonar a simplicidade. O espetáculo de lançamento não é feérico, tem jeito de sarau, antecipado por um rega-bofe com acepipes variados, desde petiscos árabes a doces e cachaça mineira. Prazeroso, como convém a um chef e gourmet que não só cozinha esplendidamente, como conhece quem sabe fazê-lo. E autografa os álbuns como quem escreve bilhetes para aqueles a quem ama. Cria-se o clima.

Cercado por músicos-admirados-admiradores e amigos-fãs-companheiros, lançará seu quarto disco, o CD Nosso, portador do mesmo clima, da gênese à audição. Cada faixa conta uma parte dessa história, mas também a história toda. Como os fragmentos de um caleidoscópio, podem ser apresentadas em qualquer ordem, combinadas à maneira de quem ouve. Mantêm uma unidade, complexa e diferenciada. A ordem das músicas no sarau não é a mesma do CD, faz conexão com o que precisa ser lembrado para estar presente.

Penso que o clima e sentimento provocados por esse encontro no Teatro Marília não pode ser mais bem exposto do que nas palavras de Ana Cristina, cantora, escritora, designer e amiga de Leri na página deste no FaceBook:

23 de junho às 14:32·

Hoje, a sensação que me acorda do curto sono é: felicidade. Por mim, por nós, mas, principalmente, pelo outro.
É tão gratificante ver um amigo fazer as pazes com o palco. É tão nutritivo ver que, finalmente, ele decide lançar novamente ao mundo sua poesia e harmonia.
Depois de décadas sem soltar seus acordes assim, na face da plateia. E com o abraço amoroso de amigos talentosos, que se unem em torno de seus filhotes com a Música.
A vida até deu uns limões, mas o presente mais picante foram as pimentas CAROLINA REAPER. Um cesto delas, que ele comeu sem pestanejar.
E, enquanto queimava, resolveu por pra fora seus próprios frutos: registrou um a um, alegrias, memórias, dissabores, aventuras. Poliglotas, polirrítmicas.
E jogou-os ao mundo, às feras e às minhocas. E, cada um a seu modo, somou esforços pra que, finalmente, ele voltasse a se enraizar naquilo que o completa, tanto quanto os versos e as estripulias das Coras de sua vida.
Leri Faria, você me emocionou demais ontem. Porque ali foram várias vitórias. Porque ali foram várias mãos, várias boas e produtivas intenções.
Agradeço a você por se renovar e agradeço a todos os seus amigos e cúmplices.
O “Nosso” traz um pouco do melhor de você.
Beijos e parabéns pelo show.

1. Leri Faria foto Joao Diniz (1)

No prólogo, Leri, só com seu violão, conta e canta os primeiros passos dessa longa caminhada, lembrando, entre outras, a icônica Jequitinhonha (Leri e Paulinho Assunção) de 1979, primeira faixa do LP (depois remasterizado e lançado como CD em 2007) “Jequitinhonha: notas de Viagem”, de Melão e Leri. Moços e velhos, na plateia, todos a conhecem, afinal, produto do Projeto Jequitinhonha, que reuniu artistas e pesquisadores de um amplo leque de atividades, marcou um importante momento de transição na cultura mineira, a virada dos anos 70 para os oitenta, a despedida da Ditadura ainda escancarada, a recuperação dos valores populares, que ainda não haviam chegado ao palco do Palácio das Artes:

Jequitinhonha, braço de mar

Leva esse canto pra navegar

Traz do garimpo pedra que brilha

Mais do que a luz do luar

Jequitinhonha, Jequitibarro

Mete essa unha, tira da terra

Vida talhada com as mãos

Vida talhada com as mãos 

Já te quis, já te quis, já te quis tanto

Já te fiz, já te fiz, já te fiz sonho

Te cantei, te cantei, te cantei pranto

Como a água da chuva

Que inunda esse chão 

Se, então, Leri e seus companheiros já talhavam a vida com as mãos, as décadas seguintes o viram fazendo-a soar de todos os jeitos e maneiras. É preciso lembrar, aqui, que a mesma energia que usava para criar beleza, usou para organizar os artistas de Minas na Associação Profissional de Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversão e para articulá-los com os do resto do país na luta pela regulamentação da profissão (1978) e sua execução. Quem viveu este tempo sabe como foi duro. Eu o conheci ainda nesse processo. Mas, no sarau e no disco isso é apenas subtexto, aquilo que o intérprete sabe e sente mas não diz.

Ainda só em cena, invoca a plateia para acompanhá-lo em “Canoeiro/Beira Mar”, comunhão de cantos de trabalho (domínio público), que dá o tom para o que virá a seguir:

Canoeiro! Canoeiro!

O que é que trouxe na canoa?

Trouxe ouro, trouxe prata,

Trouxe muita coisa boa!

Os músicos sobem ao palco pra trazer-nos tanta coisa boa. Organizam-se, como se estivessem no quintal de nossa casa, para o que der e vier. Afinal, é noite de prazer. Nem todos tocaram no disco, mas se prontificaram a substituir os que não puderam vir, como Zé Neto, arranjador, produtor musical e violonista de Paixão, oitava faixa do CD, e Luciana Vieira, a voz privilegiada que faz contraponto com Leri na faixa 12, Mar de Água Doce.

Em meio a tantos músicos de qualidade, algumas presenças deixam marcas profundas em mim. Explico: fui um dos muitos (centenas) participantes do plebiscito internáutico a que Leri submeteu 27 composições, no site Sound Cloud, em 2015, para selecionar 15. Fiquei imaginando, se todas eram tão belas somente com voz e violão, como seria o resultado depois dos arranjos. Então, o encontro com Celio Balona e seu acordeon dialogando, no palco (aquela cabeça branca e o sorriso franco, iluminados) e na gravação, com Leri, o contrabaixo de Milton Ramos e o Piano de Clóvis Aguiar, em Valse Azur (faixa sete, uma das minhas preferidas) transportou-me à cinematografia francesa dos nos 30 e seguintes, aquela em que nos deliciávamos com atores-chansonniers como Charles Trenet e Maurice Chevalier.

Não é possível, aqui, escrever sobre todas as quinze músicas de Nosso. Mas não posso deixar de destacar a participação envolvente de Sérgio Moreira, o mesmo artista que apoiou Leri lá nos tempos de Abriu, levando-o ao palco do Teatro Marília. Cantor, produtor musical, engenheiro de som, dono de estúdio, está por toda parte em Nosso, mas principalmente, com sua atitude elegante e voz melodiosa, classicamente romântica, em Now and Then, de Isabel Malowany e Leri:

it’s over again… you
say that it’s all over now
forever and then, and
then… tou call me again,
again, again

Outro destaque notável é a participação de Barulhista, arranjador e programador de Pensamento, versos do arquiteto-fotógrafo-designer-poeta João Diniz e música de Leri (também na guitarra). No palco e no arranjo, dá ainda maior concretude às palavras de Diniz vocalizadas por Leri, no começo suavemente, ao final com vigor:

mude: plante uma muda
ande: se pouco contente
aja: parar é bobagem
siga: seu sonho persiga
(…)

prove: supor não aprova
sonhe: ceder é tristonho
ouse: a ação que renova
goste: negando o imposto 

fale a voz que embala
queira: a chance primeira
coma sabor que renova
tente: é seu pensamento.

E não deixem de escutar qualquer das músicas do CD, sobretudo Cora, sobre a poeta goiana, composta para um espetáculo de dança mineiro. A que mais amo, era também a preferida de minha companheira de vida, Maria Odila, por isso Leri a cantou a capella na cerimônia da sua cremação:

não passarei pela vida em vão plantarei flores no jardim
nem me apavoro com a solidão minha esperança não tem fim….
dentro de mim eu não guardo nada de velho ou de morto
palpita aflito o desejo em cada prega do corpo
não faço conta de nada, cantar é tudo que faço
e o sentimento do mundo deságua na beira do mar…

Nosso/Nuestro/Nôtre/Our é supimpa, superbe, jättebra, ingenioso. Parabéns, Leri Faria, João Diniz, Isabel Malawany, Sergio Moreira, Célio Balona, Luciana Vieira, Zé Neto, Milton Ramos, Clóvis Aguiar, Affonsinho (vocal e guitarra), Neném (Bateria), Adriano Campagnani (Baixo), Enéas Xavier (Baixo), Juninho Fiuza (Baixo), Léo Pires (Bateria), Ricardo Fiuza (teclados), Marcelo Freitas (clarinetes e sax tenor), Wagner Souza (flugehorn), João Machala (trombone), Everton Coroné (acordeon), Bilora (viola), Serginho Silva (percussão), Bill Lucas (percussão), Carlos Walter (guitarra), Marcelo Drumond (piano elétrico), Daniel Lopes (viola de 10), Jairo de Lara (flauta), esse vocal de anjos formado por Valéria Braga, Mônica Horta e Regina Mori. De novo a João Diniz em parceria com Márcio Diniz, pelo planejamento gráfico da capa e do livreto. E a Ana Paula Sena pela produção executiva.

O CD Nosso está à venda no site: www.apsacultura.com.br

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Glosas históricas sobre um filme de ficção por ALEXANDRE SAMIS https://redesina.com.br/glosashistoricas/ https://redesina.com.br/glosashistoricas/#respond Sat, 28 May 2016 04:47:26 +0000 http://redesina.com.br/?p=1469 Alexandre Samis[1] Sobre o drama histórico, “Os Anarquistas” (Les Anarchistes), do cineasta francês Elie Wajeman, filme de abertura da Semana da Crítica no Festival de Cannes 2015, cabem algumas breves reflexões. Para muito além do desempenho dos atores envolvidos, com destaque para Adèle Exarchopoulos, a película se credencia como obra de entretenimento, não mais que …

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Alexandre Samis[1]

Sobre o drama histórico, “Os Anarquistas” (Les Anarchistes), do cineasta francês Elie Wajeman, filme de abertura da Semana da Crítica no Festival de Cannes 2015, cabem algumas breves reflexões. Para muito além do desempenho dos atores envolvidos, com destaque para Adèle Exarchopoulos, a película se credencia como obra de entretenimento, não mais que isso.

Julgo ainda que essa breve apreciação histórica do período precisa, para se entender pertinente, do complemento fornecido pela inestimável análise, agregada a esse debate, por Luiz Alberto Sanz, no seu artigo: “Os Anarquistas, uma escolha política”.

Aspectos históricos, ou o que ficou por ser dito.

Após a terrível repressão que se segue à Comuna de Paris (1871), os anarquistas na Europa, privados dos espaços públicos de atuação (sindicatos), traçam uma nova tática de ação. No Congresso Anarquista de 1881, realizado em Londres, tem início uma forma nova de ação direta, uma que pretendia indicar os caminhos para a radicalização e precipitação do processo revolucionário. Tais deliberações inauguram a corrente insurrecionalista que, através de atos espetaculares e audaciosos, pretendia despertar o proletariado de seu torpor e acomodação, para a necessária obra da revolução social. É a formulação teórica da chamada “propaganda pelo fato”.

Contemporâneo do fenômeno niilista russo, o insurrecionalismo compartilha com ele algumas de suas práticas. Ambos adotam a lógica conspirativa e os atentados contra as autoridades identificadas com o Estado e o capital. Reúnem-se em células secretas, ou quase isso, dentro das quais traçam planos para a derrubada violenta da ordem estabelecida.

Com o retorno da liberdade sindical, em fins da década de 1880, e o advento do sindicalismo revolucionário, de resto, um projeto iniciado na Associação Internacional dos Trabalhadores (1864-1876). A maioria dos anarquistas entende que as ações em colaboração com as massas, nas organizações operárias, deveriam ser priorizadas. Uma orientação que terminaria por marginalizar a corrente insurrecionalista, ainda que esta tenha permanecido presente, mesmo que residualmente, em certas partes do continente.

Além de minoritária, a fração insurrecionalista, apresentar-se-ia também cindida. Dentro dela terminaria por surgir uma tendência de forte conteúdo individualista, por vezes organizada em células com pouquíssimos militantes; ou mesmo se fazendo representar por um único indivíduo resoluto e determinado, disposto a tudo para pôr fim ao capitalismo. Esta ultima tendência será a principal responsável pela criação da legenda do “banditismo trágico”, que vai ganhar as manchetes dos jornais de grande circulação. São desse extrato figuras como Auguste Valliant, Ravachol e Émile Henry, que, através do punhal e da dinamite, fazem valer a “propaganda pelo fato”. Foram todos, inclusive, condenados à morte e executados na guilhotina antes do fim dos anos de 1890.

Partidário da mesma estratégia, entrando pelo século XX, entre 1911 e 1913, o “Bando Bonnot” expropriava bancos e realizava ações armadas. Entendia que era fundamental fazer cair o sistema através de golpes em sequência contra os alicerces econômicos da sociedade burguesa.

Muito cético diante da persistência da tática dos expropriadores, o anarquista Malatesta, diria na ocasião que:

“Apesar de tudo isso, o meio social é tão poderoso e os temperamentos pessoais são tão diferentes que bem pode existir entre os anarquistas alguns que se tornem ladrões, como há os que se tornaram comerciantes ou industriais; mas, neste caso, uns e outros agem, assim, não por causa, mas a despeito de suas ideias anarquistas”.

Ainda na mesma perspectiva, o escritor e anarquista francês Octave Mirbeau teria dito do atentado à bomba perpetrado por Émile Henry, o seguinte:

“Um inimigo mortal da anarquia não poderia ter agido melhor do que este Émile Henry ao jogar sua inexplicável bomba no meio de pessoas anônimas e pacíficas que iam ao café para tomar um copo de cerveja antes de se dirigirem para casa”.

Cabe aqui salientar que, na mesma época dos atentados, os anarquistas adeptos da corrente de massas envidavam esforços no sentido de organizar as bases operárias em seus sindicatos. Estavam dentro das fábricas e oficinas, buscando criar uma cultura política de autonomia e liberdade, através do fomento das mais diversas formas de ação direta. É dessa época a configuração da metodologia sindicalista revolucionária, cuja fisionomia desenhava-se na defesa da neutralidade sindical, do antiparlamentarismo, do antiestatismo e do internacionalismo. Em cujo conjunto de ações é possível destacar o boicote, a sabotagem e a greve geral expropriadora.

Bastante perseguidos, os insurrecionalistas expropriadores foram objeto de estudos do médico italiano Césare Lombroso, que classificava os “criminosos natos”, através de aferições cranioméricas, por uma chamada ciência frenológica. Mesmo Ferri e Garófalo, na mesma época, sustentaram que os expropriadores sofriam de um tipo específico de hiperestasia, um suposto excesso de sensibilidade diante do sofrimento humano.

Em parte, compartilhando dessa mesma opinião, Rui Barbosa escreve, no Brasil, nessa mesma oportunidade que:

“Entre os juristas ainda não encontrou o anarquismo amigos, como tem encontrado entre os homens de letras, entre os sábios, entre cultores dos estudos positivos. Não são juristas, por exemplo, Ibsen, Réclus e Kropotkine. Não são os penalistas clássicos, não é a escola jurídica, na Itália e na França, é ‘a nova escola’, a escola da antropologia criminal, a única que se pronuncia pela irresponsabilidade em muitas das façanhas do anarquismo. Não são juristas Lombroso, Laschi, Ferrero, o Dr. Régis, todos estes escritores, que, nos últimos tempos, têm consagrado à epidemia do anarquismo, sob sua forma de sangue, estudos especiais.”

Seja como for, a legenda dos “bandidos trágicos” teria justificado a edição de leis específicas de repressão ao anarquismo, o que se estendia aos sindicalistas revolucionários, todas as vezes que tal convinha à segurança, quer da República, quer de qualquer outra forma de governo. Indistintamente serviu muito mais para a disseminação de estereótipos que para identificar os “verdadeiros inimigos” da ordem pública.

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[1] Alexandre Samis, docente do Departamento de História do Colégio Pedro II, autor do livro Negras Tormentas: o federalismo e o internacionalismo na Comuna de Paris. São Paulo: Hedra, 2011.

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Os Anarquistas, uma escolha política por LUIZ ALBERTO SANZ https://redesina.com.br/osanarquistasumaescolhapolitica/ https://redesina.com.br/osanarquistasumaescolhapolitica/#respond Sat, 28 May 2016 04:32:51 +0000 http://redesina.com.br/?p=1467 Anotações para uma discussão estética Luiz Alberto Sanz[1] Ante scriptum: Recomendo a leitura do artigo fundamental “Glosas históricas sobre um filme de ficção”, do professor e historiador Alexandre Samis, ao qual se articula esta crítica com o objetivo de contribuir com o debate que hoje se dá na nossa sociedade sobre as formas organização da …

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Anotações para uma discussão estética

Luiz Alberto Sanz[1]

Ante scriptum: Recomendo a leitura do artigo fundamental “Glosas históricas sobre um filme de ficção”, do professor e historiador Alexandre Samis, ao qual se articula esta crítica com o objetivo de contribuir com o debate que hoje se dá na nossa sociedade sobre as formas organização da resistência popular.

Toda estética contém uma ética, pessoal e intransferível, mas também influenciada por e extensível à moral predominante no momento e no lugar em que se manifesta. Para fugir a mal-entendidos: não estou falando, aqui e agora, na Ética ciência, nem na Ética deontologia. A primeira estuda as questões e os preceitos que se relacionam aos valores morais e à conduta humana. A segunda reúne e codifica princípios, normas e regras que devem ser seguidos para que se estabeleça um comportamento moral exemplar, segundo preceitos de classes, religiões, ideologias ou categorias profissionais que, dependendo do seu poder, os impõem a toda a sociedade. Eu me refiro ao juízo que cada indivíduo, autonomamente, faz sobre o que é bom e o que é mau, para ele e para outros.

O filme “Os anarquistas” não foge à regra. Sua ética, porém, não é autônoma, não marca presença crítica frente à moral eurocêntrica. Foi realizado em 2014, num período que já se mostrava sinistro para a História da Europa e do Mundo, no qual os movimentos fascistas e neonazistas vinham galgando posições por todo o continente e no Oriente Médio. A enfrentá-los levantavam-se decididamente apenas os movimentos libertários e anarquistas. Nele, a história de um grupo de insurrecionalistas expropriadores é contada pela conjugação de um narrador-onisciente (o diretor-roteirista Elie Wajeman, que sabe tudo o que acontece, até mesmo os pensamentos dos personagens) e uma narradora-protagonista, a poeta Judith Loriard (interpretada pela excelente Adèle Exarchopoulos) que conta o acontecido para quem a acolheu. O resultado é que o protagonista masculino (o policial infiltrado Jean Albertini, encarnado pelo ótimo Tahar Rahim) frustra a operação de expropriação, causa a prisão dos insurrecionalistas e a morte de um dos personagens mais interessantes, Elisée Mayer (Swann Arlaud). Albertini acaba como vítima, investigado e incriminado por seus colegas da Polícia por ter facilitado a fuga de Judith, sua amante. E aos anarquistas resta ser pintados como irresponsáveis e sanguinários.

O filme cumpre o papel de simplificar a identificação dos libertários como insurrecionalistas e expropriadores, de acordo com o senso comum que as monarquias e, posteriormente, as Repúblicas, tanto as burguesas quanto as “socialistas” se esforçaram para estabelecer. Não é atoa que, poucos meses depois do ataque de extremistas muçulmanos à redação do semanário humorístico Charlie, o filme de Elie Wajeman tenha sido convidado para abrir a Semana da Crítica do Festival de Cannes. Certamente não foi por seus méritos estéticos, mas por sua postura ética.

Todos na equipe de um filme são contadores de histórias, não apenas o diretor e o roteirista. E toda história traz embutida uma moral. Pode ser explícita, como nas fábulas de Esopo, La Fontaine, Grimm ou na literatura de cordel, embora seus autores, normalmente, prefiram a sutileza dos contos populares bantus, taoístas, hassídicos, zen, sufis (estes, imortalizados em “As mil e uma noites”) ou nas grandes epopeias e tragédias que fazem parte da memória universal, do épico mesopotâmico “Gilgamés” ao drama shakespeariano “Macbeth”.

Um diretor toma uma posição ética a cada decisão: a posição da câmera, os enquadramentos de planos e cenas, a lente a ser usada, cenários, figurinos e caracterização dos personagens, a marcação de seus movimentos e o jogo de luz e sombra (sugerido pelo Diretor de Fotografia em acordo com o Desenhista de Produção). Propõe-se transmitir valores morais, estéticos, políticos, religiosos, ou materialistas, e econômicos. Sobretudo nos filmes argumentais, ditos de ficção (aqueles que parecem representar a realidade por meio da encenação). Mesmo que o negue, está propagando ideologia. Os alicerces dessa missão doutrinária é o roteiro, do qual, no caso de “Os Anarquistas” (2014), o diretor Elie Wajeman é parceiro da experiente Gaëlle Macé. Não conheço seu longa anterior, “Aliyah” (2011), muito bem recebido pela crítica que ressaltou o que, coincidentemente, há de melhor no filme que nos interessa: a direção de atores e o domínio técnico.

Wajeman, sem dúvida, é um profissional capaz, embora não seja brilhante. Sua linguagem é corriqueira e superficial, a julgar por este filme. Limita-se a encontrar a melhor forma de, por meio da catarse, envolver os espectadores na trama naturalista, novelesca, beirando o melodrama.

“Os Anarquistas” (Les Anarchistes), do cineasta francês Elie Wajeman

Mesmo nisso fracassa, não alcança a densidade e a dignidade que certamente lhe dariam diretores como Costa Gavras, Gillo Pontecorvo e Sólveig Anspach mestres do realismo político no Cinema. Ou como fizeram Rainer Werner Fassbinder, em “A Terceira Geração”, (1979) cujos personagens eram insurrecionalistas-expropriadores da década de 1970, e Hans Weingartner, no notável “Edukators – os educadores” (2003), filme que se aprofunda nos conflitos dos membros de uma célula de “propaganda pelo fato”, sobretudo depois que uma operação normal dá errado e precisam transformá-la em um sequestro.

Bertolt Brecht considerava que não há valor em derrotar os argumentos mais fracos de um adversário. Nos diálogos de suas peças buscava provar que os argumentos de seus protagonistas eram melhores que os melhores argumentos de seus antagonistas. O mesmo fazia Shakespeare. E muito antes deles, Homero.

Wajeman nega aos insurrecionalistas e expropriadores seus melhores argumentos, expõe superficialmente sua generosidade, apresenta o mais cuidadoso, como paranoico. Por debilidade do roteiro e da direção, privou Tahar Rahim da possibilidade de interpretar, agregar valor, ao conflito ético de ter que espionar e trair seus novos e calorosos amigos, companheiros de causa de seu pai, militante da Comuna de Paris, fato que ignorava até seu chefe na Polícia revelar.

O mesmo fez Dias Gomes na sua peça “Campeões do Mundo”, saudado pela crítica de esquerda como a primeira peça que pode debater livremente o período mais duro da Ditadura no Brasil. Pôde, mas não o fez. Negou aos personagens de que discordava, os mais radicais de esquerda, suas virtudes. Estive lá, também eu tive como bandeira a “propaganda pelo fato”. Éramos jovens e generosos. Não queríamos o poder para nós e muitos nem acreditávamos que viveríamos o suficiente para testemunhar o povo tomando o destino em suas mãos, nem precisar que ainda existissem vanguardas.

O diretor-roteirista e os organizadores da Semana da Crítica de 2015 em Cannes poderiam ter refletido sobre este pensamento de Fassbinder:

“Só os anarquistas têm condições de transformar a sociedade sem utilizarem o terrorismo como instrumento. Os anarquistas se parecem com a ‘primeira geração’, que vivia só de ideias. Mas eles mostram mais clareza ao colocá-las”.

[1] Jornalista, sindicalista cineasta, escritor, pesquisador e crítico de artes do espetáculo, professor titular de Jornalismo aposentado (IACS/UFF). Co-realizador dos filmes “Não é hora de chorar” (Chile 1971) e “Quando chegar o momento…” (Suécia 1978). Membro honorário do Teatro Popular União e Olho Vivo.

 

LUIZ ALBERTO SANZ (LUIZ ALBERTO BARRETO LEITE SANZ)

Pesquisador independente em Educação, Comunicação Social e Artes do Espetáculo. Professor 13045540_10202122227494484_233987780_nTitular aposentado da Universidade Federal Fluminense. Foi coordenador editorial da revista libertária “letra livre”, é colaborador da “Revista da Educação Pública” (eletrônica) da Secretaria Estadual de Ciência e Tecnologia do Estado do Rio de Janeiro e membro fundador da Associação Brasileira de Pesquisa e Pós-Graduação em Artes Cênicas (ABRACE). Foi, em sua vida profissional, jornalista, cineasta, educador, diretor de espetáculos, técnico cinematográfico e estivador. Exerceu suas funções em Brasil, Chile, Suécia e República da Guiné (nesta, como consultor da UNESCO na área de Comunicação em Matéria de Educação). No Jornalismo, passou por quase todas as funções, mas destacou-se sobretudo como critico teatral (Jornal do Commercio – RJ e Última Hora) e cinematográfico (Última Hora e Rádio MEC), repórter e comentarista cultural e político (Letra Livre, Revista da Educação Pública, Jorna1 de Brasília e Rádio MEC). Na vida sindical, foi Secretário- geral e Presidente do Sindicato de Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diverão do Estado do Rio de Janeiro, na gestão 1981/1984 e, como representante do SATEDERJ, membro da Executiva lntersindical do Rio de Janeiro (1981/1984) e da Executiva do Conselho Nacional das Classes Trabalhadoras – CONCLAT (1983-1984). Como administrador cultural, foi Diretor do Centro Nacional de Rádio Educativo Roquette- Pinto/Rádios MEC (1994); Superintendente Cultural da Embrafilme (1983/1984); membro do Conselho Diretor (1977-1978) e Secretário de Informação (1978-1979) de FilmCentrum (cooperativa de cineastas independentes e animadores cinematográficos), Suécia.

OBRAS PRINCIPAIS / LIVROS: “Procedimentos metodológicos: Fazendo caminhos”. Rio de Janeiro: Senac Nacional, 2003; “Dramaturgia da Informação Radiofônica”. Rio de Janeiro: Editora Gama Filho, 1999; FILMES: “Soldado de Deus”, de Sergio Sanz. (Pesquisador e co-roteirista). Rio de Janeiro: J. Sanz, 2004. “Carnaval: Tradição, beleza e trabalho” (criador e co-roteirista, em parceria com Valéria Campelo, da série de cinco documentários). Rio de Janeiro: Senac Nacional, 1999. “No es hora de llorar/Não é hora de chorar” (parceria com Pedro Chaskel). Santiago do Chile: Universidade do Chile, 1971. [Premiado com a Pomba de Ouro no Festival de Leipzig de 1971; “Kommunicerande karl/Vasos comunicantes” (parceria com Lars Säfström). Estocolmo: Instituto de Cinema da Suécia, 1981. [Premiado com a Menção Honrosa no Festival de Leipzig de 1983] ESPETÁCULOS: “O Amor e seus duplos” (orientador e roteirista). Rio: Cia. Helenita Sá Earp/UFRJ, 2001; “Aline, Luli e Lucinha” (Diretor). Rio de Janeiro: Funarte, l981; “Filo porque qui-lo”, de Aldir Blanc, Gugu Olimecha, Maurício Tapajós e Fátima Valença (Diretor). Rio de Janeiro: Saci Produções, 1971. RADIO: “Tião Parada, o Rei da estrada” (co-criação do projeto, em parceria com Luciana Medeiros e Rosa Amanda Strausz da série dramática infantil e roteirização de alguns). Rio de Janeiro: IBASE/Rádio MEC, 1996. “Verso e Reverso – 2ª fase” (Produção e Criação da Série de 12 programas, e roteirização de dez). Rio de Janeiro: Rádio MEC/Educar, 1990.

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MAIS DE 7 DÉCADAS por Luiz Alberto Barreto Leite Sanz https://redesina.com.br/mais-de-7-decadas-por-luiz-alberto-barreto-leite-sanz/ https://redesina.com.br/mais-de-7-decadas-por-luiz-alberto-barreto-leite-sanz/#respond Thu, 21 Apr 2016 21:18:35 +0000 http://redesina.com.br/?p=1375 Já vivi mais de sete décadas, com pelo menos cinco de militância ativa. Marchei por Liberdade, Igualdade, Fraternidade e uma Sociedade Sem Classes em pelo menos cinco países: Brasil, Chile, Suécia, Portugal e Cuba. Lutei pela Democracia e contra o Fascismo das mais diferentes formas: agitando, propagando ideias, debatendo, dando aulas dentro e fora da …

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Já vivi mais de sete décadas, com pelo menos cinco de militância ativa. Marchei por Liberdade, Igualdade, Fraternidade e uma Sociedade Sem Classes em pelo menos cinco países: Brasil, Chile, Suécia, Portugal e Cuba. Lutei pela Democracia e contra o Fascismo das mais diferentes formas: agitando, propagando ideias, debatendo, dando aulas dentro e fora da prisão, servindo na logística da guerrilha urbana, organizando-me e organizando sindicatos, partidos, comitês, associações e agrupamentos. Alguns revolucionários, outros reformistas. Assinei dezenas de manifestos, escrevi outros tantos documentos políticos, centenas de artigos, dois livros e capítulos de mais alguns, chefiei e fui chefiado, coordenei e fui coordenado. Dirigi dez documentários de curta e longa metragem, (um inacabado), trabalhei em pesquisa e roteiros para cinema, vídeo e rádio. Fiz teatro, participei da produção de shows, fui estivador e atuei na segurança de espetáculos de massa. Editei livros, revistas e jornais. Tratei de arte, cultura, comunicação, política e educação. Prática e teoricamente. Ouvi milhares de discursos e fiz uns poucos. Contribuí para a formação intelectual de jovens que se tornaram profissionais maduros, como opiniões próprias. Homenageei e fui homenageado (sempre com a impressão de que não merecia).

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Luiz Alberto com 4 anos

Já esqueci mais do que lembro.

Vi alguns golpes de perto, vitoriosos ou não. Só no Brasil foram oito:aquele contra Getúlio, em 1954;o contragolpe do Exército comandado pelo General Lott, em 1955,garantindo a posse do Presidente e do Vice eleitos (Juscelino e João Goulart); as intentonas da Aeronáutica e de parte do Exército em Tubiacanga (1956) e Aragarças (1959), novamente contraJK e Jango; o de 1961 contra Jânio e, por extensão, a tentativa de impedir a posse do Vice João Goulart, quase causando uma Guerra Civil; o de 1964; o de 1968 (golpe dentro do golpe) e, em 1985, o contragolpe parlamentar que encerrou o período ditatorial por meio de uma eleição indireta acordada entre partidos de oposição e o do governo (que se dividiu)levando à vitória de Tancredo Neves e à posse de Sarney (até ali, fiel servidor da Ditadura), eleito Vice pelo Congresso sem receber um único voto.

No Chile foram dois: o balão de ensaio batizado de “tancazo” (29 de junho de 1973) e, logo depois, o nefasto e trágico 11 de setembro, que se transformou no maior genocídio do povo daquele país desde a Conquista Espanhola. Passei pela Argentina durante o golpe interno do Partido Justicialista, que obrigou Héctor Cámpora a renunciar para que fossem convocadas eleições com Juan Domingo Perón como candidato. Estava pronto para transferir-me, com família, roupas, discos e livros, da Suécia para Portugal em novembro de 1975 quando, no dia 25, a ala socialdemocrata do Movimento das Forças Armadas golpeou seu lado esquerdo encarcerando alguns dos principais líderes da Revolução dos Cravos e afastando meus contatos de suas funções, entre eles, democratas, anarquistas e comunistas. Mais uma vez, meus planos tiveram que ser alterados. Fiquei na Suécia, larguei a estiva e voltei a trabalhar com Cinema.

Agora assisto a mais um golpe parlamentar. Pela televisão pude ver performances grotescas que me fizeram lembrar o saudoso ator e sindicalista João Ângelo Labanca, meu pai putativo, que, ao ver pessoas discursarem afogueadas e sem estribeiras, dizia: “Essa pessoa já entra como se estivesse no terceiro ato”.

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Luiz Alberto em exílio no Chile, 1971, após ser libertado pela lista dos 70.

Se o primeiro ato foi assim, como será o último?

Eu odeio golpes. Sejam os pequenos, tão comuns, desfechados na luta mesquinha pelo poder em empresas, partidos, associações de classe, comunidades, famílias… Sejam os grandes, que afetam as vidas de milhões de pessoas. Detesto também difamações, discussões inúteis sobre quem é o quê e sobre a pureza de uns e a impureza de outros. Sobretudo quando se trata de pessoas que deveriam estar lado a lado. Gente que tem o mesmo objetivo estratégico. Ainda mais se nos propomos a construir um futuro em que sejam respeitadas as diferenças e todos possam viver segundo suas necessidades.

Em 22 de junho de 1974, de Estocolmo, escrevi uma carta circular a meus amigos e companheiros em que dizia:

“Hoje, parece que quase todos me consideram alguma coisa que os outros não consideram — uns me dizem perigoso subversivo, outros um desbundado filho da puta, para alguns sou um socialdemocrata, para outros sou um ultra esquerdista, uns me dizem pró-soviético, outros me chamam foquista, quase todos: oportunista.” (Memórias do exílio: Brasil, 1964-19?? — IDe muitos caminhos, p. 307. São Paulo: Editora Livramento, 1978

Sinto-me num túnel do tempo, viajando na cabine telefônica do Doctor Who. Repetem-se episódios, histórias, ofensas. Não são os mesmos, embora semelhantes. Tampouco é farsa ou sátira o que já foi tragédia. É como um pesadelo em que Dostoievski toma a forma de Nelson Rodrigues. É como estivessem repetindo em “loop” o episódio do restaurante em “O Sentido da Vida” dos Monty Python (quem não viu aproveite para ver) com o burguês glutão explodindo diante nos nossos olhos uma e outra vez. Só que em 3D.

O avanço tecnológico possibilita maior circulação de ideias e informações, contribuindo para a difusão de ideais e práticas libertários, antes propagados quase apenas presencialmente. Mas isso não é privilégio. Ideais e práticas liberticidas também usufruem desses meios, muitas vezes com maior sucesso, apoiados por grandes meios de comunicação, dispondo de recursos oriundos do capital internacional e local. Gente melhor do que eu já escreveu sobre isso. Nós somos os marginais que começamos a ocupar um espaço que não foi criado para nós. Parece que esquecemos que a Internet nasceu para coordenar polícias e forças armadas dos estados nacionais, sob a hegemonia do imperialismo norte-americano e posteriormente estendida às organizações científicas. Aí se deu a brecha para o longo processo de democratização ainda tateante,só possível após o grande capital ver aqui um campo quase inesgotável para a globalização de sua ganância. Agora, sob um imperialismo mundializado, etapa final do capitalismo, já sem fronteiras. Situação já prevista com alguma precisão na melhor literatura de ficção científica.

Uma das coisas que aprendi foi a duvidar, a não “ter aquela velha opinião formada sobre tudo”(já disse Raúl Seixas).Outra foi a entender que minha ignorância é maior que minha sabedoria e meus conhecimentos (ler Platão repetindo Sócrates ajudou: “Só sei que nada sei”). Compreendi também que o diálogo é essencial e para que ele exista de fato os que dialogam precisam considerar-se iguais, respeitadas particularidades e diferenças. Alguém mais sábio escreveu:

… O diálogo não se impõe a ninguém. Responder não é um dever, mas é um poder (…). O dialógico não é, como o dialético, um privilégio da atividade intelectual. Ele não começa no andar superior da humanidade, ele não começa mais alto do que ela começa. Não há aqui dotados e não-dotados, somente há aqueles que se dão e aqueles que se retraem. E aquele que se dá amanhã, nele não se nota isso hoje, ele próprio não sabe ainda que tem este algo dentro de si, que nós o temos dentro de nós, ele vai simplesmente encontrá-lo, e encontrando-o, surpreender-se-á.(Martin Buber, Do Diálogo e do Dialógico. S. Paulo, Perspectiva, 1982, p.71)

Tenho especial predileção por esse trecho, cheio de magníficas orações de espírito libertário. Cada uma delas nos propõe uma profunda reflexão, em si e a respeito do momento em que vivemos e das situações que vivenciamos.

Nesse túnel do tempo, vem à minha memória uma reunião em que foi discutida a dissolução de uma organização revolucionária. Já não lembro quantos estavam presentes. Uns trinta, talvez, na sala de uma casa de periferia em alguma cidade estrangeira. O grande problema não era a dissolução, mas a divisão do patrimônio.Sim, ele existia. Eu me senti estranho ali. Não pertencia a qualquer dos grupos que julgavam ter direito a uma parte. Mas, assim mesmo, entrei na discussão. Como a situação era tensa, estabeleceu-se um regimento. O ponto que me interessa é: quando alguém dissesse que uma questão era de princípio, ela ficava bloqueada. Então, era questão de princípio pra cá e pra lá a toda hora. Acabei me enchendo e quis ir embora. Pensei, cá comigo, não se trata de princípios, mas de dogmas, o quê estou fazendo aqui? Mas a segurança era a principal questão de princípio. Tive que esperar o fim da reunião, que remeteu a outra, à qual já não fui. Felizmente, pois não fiquei sabendo que fim o patrimônio levou.

Mas, pensando bem, a lembrança está difusa. Pode não ter sido assim. Pode ser apenas uma sequência que imaginei para um roteiro que nunca escrevi. Ficção. Então, ninguém se sinta ofendido, por favor. Sou apenas um velho louco.

Pois é, estou me sentindo novamente confinado naquela sala lotada da minha imaginação. Companheiros bradam “questão de princípios” e procuram, exasperadamente, provar que são mais revolucionários que outros. Há impropérios, jargões (cujo significado desconheço) e nenhum diálogo. Cada um só ouve a si mesmo e o faz com uma certeza absoluta da grandeza de suas palavras.

Continuo tentando ouvir, aprender e convencer o máximo de pessoas a fazer o mesmo. No pensamento libertário, entendo, a Educação ocupa uma posição central, eu diria, de princípio, não de dogma. E como eu entendo isso? Escrevi um livro para o Senac no qual dizia:

… possuidores de talento para o ensino e conduzidos por nossa vocação de educadores, seremos capazes de viver nos ambientes multiculturais que são hoje os espaços educacionais e experienciar a geração de projetos transculturais — em que todos aprendem e ensinam, sintetizando tradições, experiências, ideias e inovações — dominando a técnica e, com esse domínio, expandindo a criatividade, o que resultará no enriquecimento da técnica, transformando projetos em obras antes apenas imaginadas. Dialeticamente, a criatividade desenvolve a técnica, que impulsiona a criatividade, que enriquece a técnica, que…

(…)

Mas isso é impossível sem diálogo. Todos pensamos saber exatamente o que a palavra quer dizer: conversação entre duas ou mais pessoas, instrumentos musicais, pássaros, rãs etc. Só que existem alguns fortes conteúdos na palavra que o senso comum tem esquecido. O primeiro é que é uma conversação entre iguais, sejam animais, instrumentos musicais ou, principalmente, pessoas.

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Luiz Alberto em 1970 no DOPPS de São Paulo

A Educação — que significa essencialmente o desenvolvimento das capacidades intelectuais e éticas de uma pessoa — não acontecerá sem diálogo. Na sua falta, poderemos proporcionar adestramento, instrução, treinamento ou formação — aspectos táticos da educação — que, encarados apenas tecnicamente e ministrados de um ponto de vista hierárquico, distanciam-se da missão de desenvolver o intelecto e a ética das pessoas. Ora, o diálogo é essencial para que isso aconteça e o sentimento de igualdade é primordial para que haja diálogo, para que possa haver troca — de informações, conhecimentos, sentimentos. (Luiz Alberto Sanz, Procedimentos metodológicos: fazendo caminhos. Rio de Janeiro: Senac Nacional 2ª reimpressão, 2006, p. 28)

A Acracia, sociedade sem classes, igualitária, fraterna, livre, comunal, federativa e internacionalista é um projeto que se desenvolve à medida que seus criadores-integrantes se desenvolvem. E como qualquer projeto, só pode acontecer e crescer com a existência de diálogo entre os que a desejam e também com os que ainda não sabem que a desejam. Voltando a Buber, citado no início: aqueles que não sabem ainda que têm este algo dentro de si e que hão de surpreender-se ao descobri-lo.

Ah, como gostaria de ser surpreendido por nossa capacidade de dialogar, libertários que vivemos no presente abrindo caminho para o futuro, para que eu possa me educar, apesar da minha velhice, e assim contribuir com os mais jovens nessa longa jornada da qual não verei o fim.


LUIZ ALBERTO SANZ (LUIZ ALBERTO BARRETO LEITE SANZ)

Pesquisador independente em Educação, Comunicação Social e Artes do Espetáculo. Professor 13045540_10202122227494484_233987780_nTitular aposentado da Universidade Federal Fluminense. Foi coordenador editorial da revista libertária “letra livre”, é colaborador da “Revista da Educação Pública” (eletrônica) da Secretaria Estadual de Ciência e Tecnologia do Estado do Rio de Janeiro e membro fundador da Associação Brasileira de Pesquisa e Pós-Graduação em Artes Cênicas (ABRACE). Foi, em sua vida profissional, jornalista, cineasta, educador, diretor de espetáculos, técnico cinematográfico e estivador. Exerceu suas funções em Brasil, Chile, Suécia e República da Guiné (nesta, como consultor da UNESCO na área de Comunicação em Matéria de Educação). No Jornalismo, passou por quase todas as funções, mas destacou-se sobretudo como critico teatral (Jornal do Commercio – RJ e Última Hora) e cinematográfico (Última Hora e Rádio MEC), repórter e comentarista cultural e político (Letra Livre, Revista da Educação Pública, Jorna1 de Brasília e Rádio MEC). Na vida sindical, foi Secretário- geral e Presidente do Sindicato de Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diverão do Estado do Rio de Janeiro, na gestão 1981/1984 e, como representante do SATEDERJ, membro da Executiva lntersindical do Rio de Janeiro (1981/1984) e da Executiva do Conselho Nacional das Classes Trabalhadoras – CONCLAT (1983-1984). Como administrador cultural, foi Diretor do Centro Nacional de Rádio Educativo Roquette- Pinto/Rádios MEC (1994); Superintendente Cultural da Embrafilme (1983/1984); membro do Conselho Diretor (1977-1978) e Secretário de Informação (1978-1979) de FilmCentrum (cooperativa de cineastas independentes e animadores cinematográficos), Suécia.

OBRAS PRINCIPAIS / LIVROS: “Procedimentos metodológicos: Fazendo caminhos”. Rio de Janeiro: Senac Nacional, 2003; “Dramaturgia da Informação Radiofônica”. Rio de Janeiro: Editora Gama Filho, 1999; FILMES: “Soldado de Deus”, de Sergio Sanz. (Pesquisador e co-roteirista). Rio de Janeiro: J. Sanz, 2004. “Carnaval: Tradição, beleza e trabalho” (criador e co-roteirista, em parceria com Valéria Campelo, da série de cinco documentários). Rio de Janeiro: Senac Nacional, 1999. “No es hora de llorar/Não é hora de chorar” (parceria com Pedro Chaskel). Santiago do Chile: Universidade do Chile, 1971. [Premiado com a Pomba de Ouro no Festival de Leipzig de 1971; “Kommunicerande karl/Vasos comunicantes” (parceria com Lars Säfström). Estocolmo: Instituto de Cinema da Suécia, 1981. [Premiado com a Menção Honrosa no Festival de Leipzig de 1983] ESPETÁCULOS: “O Amor e seus duplos” (orientador e roteirista). Rio: Cia. Helenita Sá Earp/UFRJ, 2001; “Aline, Luli e Lucinha” (Diretor). Rio de Janeiro: Funarte, l981; “Filo porque qui-lo”, de Aldir Blanc, Gugu Olimecha, Maurício Tapajós e Fátima Valença (Diretor). Rio de Janeiro: Saci Produções, 1971. RADIO: “Tião Parada, o Rei da estrada” (co-criação do projeto, em parceria com Luciana Medeiros e Rosa Amanda Strausz da série dramática infantil e roteirização de alguns). Rio de Janeiro: IBASE/Rádio MEC, 1996. “Verso e Reverso – 2ª fase” (Produção e Criação da Série de 12 programas, e roteirização de dez). Rio de Janeiro: Rádio MEC/Educar, 1990.

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