Arquivos FELIPE HENRIQUE GONÇALVES - Rede Sina https://redesina.com.br/category/portal/convidados/felipehenriquegoncalves/ Comunicação fora do padrão Thu, 12 Nov 2020 04:51:47 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.4.4 https://redesina.com.br/wp-content/uploads/2016/02/cropped-LOGO-SINA-V4-01-32x32.jpg Arquivos FELIPE HENRIQUE GONÇALVES - Rede Sina https://redesina.com.br/category/portal/convidados/felipehenriquegoncalves/ 32 32 “Eu, Daniel Blake” é nós, trabalhadores por FELIPE HENRIQUE GONÇALVES https://redesina.com.br/eu-daniel-blake-e-nos-trabalhadores-por-felipe-henrique-goncalves/ https://redesina.com.br/eu-daniel-blake-e-nos-trabalhadores-por-felipe-henrique-goncalves/#respond Mon, 26 Jun 2017 17:00:47 +0000 http://redesina.com.br/?p=2951 30/06, todos à GREVE GERAL Vencedor da Palma de Ouro no Festival de Cannes de 2016, o filme de Ken Loach (“Terra e Liberdade”, “Pão e Rosas”, “Ventos da Liberdade”…) perpassa o chão social de Newcastle, Inglaterra, em tempos de austeridade e desemprego. A história acompanha um homem de 59 anos, Daniel Blake, que sofreu …

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30/06, todos à GREVE GERAL

Vencedor da Palma de Ouro no Festival de Cannes de 2016, o filme de Ken Loach (“Terra e Liberdade”, “Pão e Rosas”, “Ventos da Liberdade”…) perpassa o chão social de Newcastle, Inglaterra, em tempos de austeridade e desemprego. A história acompanha um homem de 59 anos, Daniel Blake, que sofreu um ataque cardíaco. Após se recuperar, ele é desaconselhado pelos médicos a retornar ao trabalho de carpinteiro.

O problema central do filme é evidenciado quando ainda não se dispõe de qualquer cena visual e, com um fundo escuro, ouve-se uma voz extremamente desinteressada, com um tom robótico, de uma servidora terceirizada responsável pelo processo decisório da liberação do seguro, uma espécie de auxílio-doença do governo inglês para Daniel. Mas a funcionária parece pouco sensível ao que lhe aconteceu. Aparentemente ignorando o problema principal – o ataque cardíaco que este sofrera há alguns meses e que agora o impede de trabalhar -, ela parece tratá-lo como um mero inconveniente. Seu descaso é tão evidente que nem mesmo seu status profissional ela se importa em oferecer: indagada se é médica ou enfermeira, ela se limita a repetir ser uma “profissional da saúde”. Num sistema onde todos são números e prazos e serem cumpridos, ou ele se encaixa nestes moldes pré-estabelecidos, ou ficará de fora. Há formulários estúpidos a serem preenchidos, depoimentos a serem prestados, esperas absurdas ao telefone, entrevistas humilhantes, avaliações a serem atendidas. E se ele não estiver à altura de tudo o que se espera dele, será simplesmente deixado de lado. Assim, sem renda, o protagonista ao solicitar apoio do Estado tem o auxílio negado e, ao recorrer da decisão, mergulha em uma espiral de burocracia injusta e constrangedora. Apesar do esforço em encontrar um modo de provar a sua incapacidade, ninguém está interessado em admiti-la. O protagonista, um analfabeto digital, se vê preso em um mundo de burocracia informatizada e cercado por um mar de indiferença onde o mínimo sinal de empatia por parte dos outros é encarado como algo a ser repreendido. O filme traz com detalhes o sentimento de frustração que este vive ao perceber que está andando em círculos sem conseguir evoluir com suas solicitações. O expectador logo se identifica com os intermináveis momentos de espera ao telefone com uma música de fundo para ser atendido e, após isto, precisar ser transferido diversas vezes até encontrar a pessoa adequada para a resolução do problema. Por isso, ilustra o sentimento de frustração e impotência de pessoas que, presas no fundo do poço, não demoram a descobrir que nenhuma escada será lançada em sua direção pelo sistema impessoal que usa a burocracia com o claro objetivo de criar dificuldades desnecessárias e que levam qualquer indivíduo necessitado a acabar desistindo de buscar auxílio. Ao mesmo tempo mostra que, fora da lógica inerente perversa do capitalismo, há geralmente a solidariedade entre aqueles que reconhecem estar em situações muito próximas umas das outras.

Nesse sentido, Daniel Blake é a contrapartida humana da relação acima descrita. Mesmo num cotidiano de privações, ele encontra tempo e disponibilidade para ajudar seus jovens vizinhos imigrantes. Numa de suas várias idas a departamentos governamentais, Daniel encontra Katie, mãe solo de dois filhos, obrigada a se mudar para Newcastle, pois em Londres não consegue auxílio-moradia, e que passa os dias em subempregos e as noites cuidando da casa dissipada na qual reside para que as crianças possam ter um lar minimamente habitável. Daniel se torna um pai para Katie e um avô para as crianças. Juntos eles se unirão para resolver seus pequenos problemas práticos e dar força um ao outro para encarar os grandes problemas, do qual não depende só deles. O que vemos é o antagonismo entre o calor do espírito humano e a frieza do Estado. A humanidade que demonstram realça a indignidade do monstro que os condena. Aliás, alguns dos instantes mais comoventes da trama são precisamente aqueles nos quais vislumbramos, mesmo que rapidamente, pequenos gestos de apoio mútuo partindo de pessoas que já não têm muito a oferecer, percebe-se um aceno de Ken Loach à antiga solidariedade proletária. Num mundo competitivo, mediado pelo dinheiro e pelas coisas, a dignidade é a matéria-prima mais escassa.

Desse modo, é impossível não reconhecer a dor e a humilhação de Katie que abre mão de suas refeições para priorizar a nutrição dos filhos e que, durante uma visita à uma instituição de caridade que distribui comida, não consegue conter a fome e abre um enlatado de extrato de tomate ainda entre as prateleiras que contêm as doações e o come puro, numa das cenas mais dolorosas. Ou, ainda, quando Katie se vê descoberta por Daniel no trabalho de prostituição.

O que se verifica é que ambos se encontram no limite das suas forças numa batalha sobre-humana para sobreviver aos efeitos da ofensiva neoliberal. A história deles é a mesma dos milhares de ingleses que mofam na fila dos centros de assistência social à espera do seguro-desemprego, deslocados da equação financeira da Europa e distantes da sensação de dignidade. Algo similar ao caso brasileiro, que diante da ofensiva neoliberal de Temer tem propagandeado que se gasta demais com o já insuficiente sistema previdenciário.

Ken Loach, humanista, de esquerda e simpatizante do trotskismo, aponta no filme, com sua empatia, aquilo que deveria ser óbvio para todos: que se o Estado – ainda que reconheça os seus limites de classe –  não tiver a humanidade de oferecer suporte aos que nada ou muito pouco possuem, não será o deus mercado que irá fazê-lo. Afinal, para este a miséria é uma estatística e o trabalhador é constantemente avaliado não como um ser humano, mas como uma peça de engrenagem cuja importância é proporcional ao seu valor de produção.

“Eu, Daniel Blake” é sobre o desmanche do que restou de Estado de Bem-Estar Social após a ofensiva neoliberal de Thatcher, mas também pode ser sobre o desmanche do que restou de Constituição de 1988 após a ofensiva neoliberal de Temer. O filme é britânico, mas é sobre capitalismo, portanto, universal. Ilustra um processo que tem caracterizado o capitalismo pós-crise de 2008, mas principalmente os países periféricos: os constantes ataques aos direitos historicamente conquistados pela classe trabalhadora. Sob o pretexto de ajuste fiscal para “acertar as contas”, a burguesia, que historicamente privatizou os lucros, quer, agora, socializar os prejuízos.

A burguesia que pague pela crise! Dia 30/06, todos à GREVE GERAL! Nenhum direito à menos! Diretas Já!

 

FELIPE HENRIQUE GONÇALVES

Paulistano, 34 anos. Doutorando em Ciências Humanas e Sociais pela Universidade Federal do ABC (UFABC), mestre em História pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2012), sob o título “Democracia e Socialismo nos debates do Partido dos Trabalhadores (1987-1991), pós-graduado (Lato Sensu) em Sociologia pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo – FESPSP (2008), licenciado em História pela Universidade Bandeirantes – UNIBAN (2006) e graduado e licenciado em Ciências Sociais pelo Centro Universitário Fundação Santo André-CUFSA (2005). Possui 12 anos de experiência como docente e realiza estudos nas áreas de Sociologia, Ciência Política e História Contemporânea, História do Brasil República e Economia Política, atuando principalmente nos seguintes temas: democracia, cidadania, direitos humanos, partidos políticos, neoliberalismo, desenvolvimentismo, financeirização e marxismo. É militante político-social na defesa dos direitos humanos e dos interesses da classe trabalhadora. Considera-se um cinéfilo, garimpeiro de músicas e da cultura latino-americana no geral.

 

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Blue Jasmine: relações interpessoais em tempos de crise 

O filme de Woody Allen (Vicky Cristina Barcelona e Meia Noite em Paris) constrói uma alegoria tragicômica dos efeitos da crise econômica de 2008. As consequências da recente crise financeira servem para uma ácida crítica social e econômica da sociedade estadunidense.

Enquanto era casada com o investidor do mercado financeiro, Hal (Alec Baldwin), Jasmine (Cate Blanchett) viveu o melhor da especulação em Nova Yorque: compras, festas, viagens pelo mundo, ingressos para ópera e obras de arte na sala de casa. Estando satisfeita com essa vida em que julgava ser perfeita, Jasmine se alienava da realidade e não conseguia ver as coisas a seu redor. Vive luxuosamente, transbordando uma felicidade aparente, onde a recepção da irmã, Ginger (Sally Hawkins), com o marido pode ser algo pouco agradável, mas compensado por um amor que surge através dos bens materiais.

Desde o início, em que Hal e Jasmine aconselham o marido de Ginger a investir na especulação ao invés de abrir seu próprio negócio, “Blue Jasmine” trata sem meias palavras das razões e dos efeitos da crise.

Quando Hal decide deixar Jasmine por uma amiga do casal, ela toma a decisão de denunciá-lo ao FBI sobre os seus fraudulentos esquemas financeiros. Depois de preso, o Hal comete suicídio e Jasmine – que tinha tudo no seu nome – vai à falência. Jasmine ainda fica com a sua mala Louis Vuitton, algumas roupas de marca e vai morar de favor com a irmã “cafona”, Ginger, em San Francisco.

Morando com a irmã, tenta, a todo custo, se reencontrar na vida. O choque e contraste entre grupos sociais distintos é algo de muito presente e vivo ao longo de “Blue Jasmine”, embora Woody Allen não esteja interessado em mostrar de forma maniqueísta, ao contrário, este mostra um interesse genuíno pelos mais variados personagens, sugerindo que todos erram e têm virtudes, que todos sentem uma notável inabilidade em lutar com o destino, apesar de parecer esporadicamente nutrir uma certa simpatia por Ginger e Chili. Este casal, formado por dois indivíduos da classe trabalhadora, surge como a antítese da relação entre Hal e Jasmine. Ginger e Chili procuram os pequenos prazeres da vida através do amor que sentem um pelo outro e o tempo que passam juntos, sendo espontâneos e dados a pequenos gestos. Hal e Jasmine surgem como uma dupla superficial, com um casamento marcado pelo luxo e afastamento sentimental, com o primeiro a colecionar amantes e a segunda a colecionar joias. Da relação entre Ginger e Chili acreditamos que possam sair frutos radiosos. Da relação entre Hal e Jasmine já sabemos que esta vai terminar de forma trágica.

Em São Francisco, Jasmine depara-se com casas modestas e pessoas que praticamente desprezara durante toda a sua vida, com quem vai se chocar, a começar pela sua irmã, uma mulher que pouco ou nada tem a ver com a protagonista. Na casa da irmã, Jasmine toma conta das atenções, mostra-se o estertor para discussões, enquanto continua a sua guerra interna com os fantasmas interiores e um ex-marido que nunca mais vai voltar a ver. Ginger assume uma postura temporariamente infiel com Chili que quando bebe torna-se violento. Ambos procuram redimir-se, notando-se toda uma abordagem profundamente humana das temáticas, em que não estamos perante um conjunto de personagens plásticos, mas sim de figuras complexas.

A incapacidade de assimilação e aceitação das mudanças de vida é habilmente construída e desconstruída num jogo de alternância entre passado/presente, Nova York /São Francisco, sofisticação/simplicidade, alegria/melancolia, adequação/inadequação.

Jasmine se enche de esperança quando conhece um sujeito que pode lhe oferecer todo o alto padrão de vida que um dia teve. No primeiro encontro, ela dá o seu número de telefone ao tal homem, que promete contatá-la. No dia seguinte, Jasmine passa o dia esperando ansiosamente a ligação. O telefone toca e o sujeito marca um novo encontro. O que poderia se esperar era que, ao desligar o telefone, Jasmine começasse a pular e a vibrar com sua conquista. Não. Ela começa a chorar. E, nesse momento, Blue Jasmine sintetiza praticamente tudo sobre sua protagonista: ela é uma mulher que já não consegue nem sentir a alegria das pequenas coisas da vida. Chora aliviada por não acreditar que alguém promissor ainda possa se interessar por ela. Um alento, enfim, para uma vida que, como descobrimos ao longo do filme, também puniu constantemente essa mulher que procurou sua história de fracasso.

Jasmine habituou-se ao luxo, a ter nas joias e nas roupas caras o seu modo de vida, ao modo que a perda da maioria dos seus bens arrasa-lhe o orgulho e lhe fere dramaticamente. A chegada de Jasmine a São Francisco não é de cura ou terapia, mas de tentativa de ultrapassagem dos problemas, que dificilmente a largam perante sua personalidade. O resultado é um mergulho em mentiras e ilusões que cobram um preço alto demais para quem, em estado de realidade deturpada, não consegue pagar. Assim, ao contrário do que pode ser apontado, existe humanização em “Blue Jasmine”, especialmente porque Woody Allen não condena a protagonista como a total responsável por suas ruínas. Ela também apanhou da vida e pagou um preço alto por sua quase assumida negligência perante as situações.

Em Manuscritos Econômicos Filosóficos, Marx constata:

“Se o dinheiro é o vínculo que me liga à vida humana, que liga a sociedade a mim, que me liga à natureza e ao homem, não é o dinheiro o vínculo de todos os vínculos? Não pode ele atar e desatar todos os laços? Não é ele, por isso, também o meio de universalização e separação? Ele é a verdadeira // moeda divisionária (Scheidemünze), bem como o verdadeiro meio de união, a força galvano-química (galvanochemische) da sociedade”.

Mas também lamenta:

“Quanto menos comes, bebes, compras livros, vais ao teatro e ao café, pensas, amas, teorizas, cantas, sofres, praticas esporte, etc., mais economizas e mais cresce o teu capital. «És» menos, mas «tens» mais. Assim, todas as paixões e atividades são tragadas pela cobiça”.

FELIPE HENRIQUE GONÇALVES

Paulistano, 34 anos. Doutorando em Ciências Humanas e Sociais pela Universidade Federal do ABC (UFABC), mestre em História pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2012), sob o título “Democracia e Socialismo nos debates do Partido dos Trabalhadores (1987-1991), pós-graduado (Lato Sensu) em Sociologia pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo – FESPSP (2008), licenciado em História pela Universidade Bandeirantes – UNIBAN (2006) e graduado e licenciado em Ciências Sociais pelo Centro Universitário Fundação Santo André-CUFSA (2005). Possui 12 anos de experiência como docente e realiza estudos nas áreas de Sociologia, Ciência Política e História Contemporânea, História do Brasil República e Economia Política, atuando principalmente nos seguintes temas: democracia, cidadania, direitos humanos, partidos políticos, neoliberalismo, desenvolvimentismo, financeirização e marxismo. É militante político-social na defesa dos direitos humanos e dos interesses da classe trabalhadora. Considera-se um cinéfilo, garimpeiro de músicas e da cultura latino-americana no geral.

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